1000 Famílias – O Álbum de Família do Planeta Terra

1000 Famílias – O Álbum de Família do Planeta Terra

28 de Maio, 2010 2
Não percam a exposição “1000 Famílias – O Álbum de família do Planeta Terra”! Até 30 de Junho em Belém, na Praça do Império, em frente ao Museu de Marinha. Entrada livre.
Numa entrevista à Amnistia Internacional o fotógrafo Uwe Ommer contou algumas das muitas histórias vividas ao longo dos quatro anos em que percorreu cinco continentes. O seu objectivo era fotografar famílias de todo o mundo, para demostrar que no fundo, somos todos iguais.
O resultado final está também publicado em cinco livros: Smile, Transit, 1000 Families, Familles de Côte d’Ivoire e Familles du Monde Entier.
AI – Nesta fase inicial, qual era a sua ideia ao querer fotografar famílias?
UO A ideia era mostrar que somos todos muito diferentes, porque temos cores diferentes, crenças diferentes, temos crescido em países diferentes, mas temos uma coisa em comum: a família. Somos todos muito diferentes mas devíamos estar muito mais próximos uns dos outros porque todos temos a mesma base.

AI – Tendo a ideia bem definida e os testes feitos, do que precisava para começar viagem?
UO De patrocinadores… E percebi que não era muito difícil encontrar quem patrocinasse este projecto, só que não foi nenhum dos que eu contactei. Os patrocínios vieram de locais que eu nunca tinha pensado em contactar.

AI – Seguiram-se quatro anos de viagens …
UO Sim. Comecei em 1996 e terminei em Abril de 2000.

AI – Lemos que viajou com um assistente. Fez a viagem de uma vez só?
UO Não, voltávamos sempre a Paris. Fomos primeiro para a Europa, com pequenas viagens a partir de Paris: a Inglaterra, Escócia, França… Depois fomos aumentando a distância. E fizemos isto nos primeiros seis meses. Depois fomos para África e fizemos tudo numa viagem durante 11 meses, de carro.

AI – Sentiu que era uma viagem perigosa? Terá passado por países em conflito…
UO Sim, mas em África tudo se resolve muito facilmente e talvez tenhamos tido sorte… Em alguns países a situação era crítica, mas nunca tive a impressão de estarmos realmente em perigo.

AI – E como faziam? Tinham um local predefinido para ir? Tinham a viagem já planeada e marcada?
UO Não. Íamos andando. Definíamos por exemplo ir a Luanda, mas até lá íamos passando por outros locais porque não se podia fazer tudo de uma vez.
AI – Mas não estabeleciam nenhum contacto prévio, ainda de Paris, por exemplo?
UO Não. O que acontecia muitas vezes quando dizíamos que íamos para a Ásia ou para outro local é que havia sempre alguém que tinha o telefone de uma irmã ou uma amiga e davam-nos. Mas isso nunca funcionou. [risos] Ou o telefone tinha mudado ou a pessoa já não estava lá… Por isso nunca fazíamos os contactos a partir do país de origem. O que ajudava, em países onde não falávamos a língua, era tentar encontrar, primeiro, um tradutor. Quando chegávamos pedíamos no hotel, preferencialmente um estudante ou isso, porque não tínhamos dinheiro para um tradutor oficial. Depois eles conheciam famílias no local e era mais fácil.

AI – Quando era sem tradutor, descobria as famílias como?
UO Falando com as pessoas que íamos conhecendo, na rua… Nos fins-de-semana as pessoas vão ao Parque, à praia ou à Igreja e nós íamos lá e tentávamos falar com as pessoas. Mesmo no restaurante, se estivesse uma família a jantar ao nosso lado, perguntávamos. Fomos às escolas… Em África, por exemplo, quando se chega a uma aldeia é sempre preciso falar primeiro com o Chefe da aldeia, apresentar o nosso projecto. Depois perguntávamos-lhe que família recomendava e ele dizia sempre: a minha. [risos] Por isso temos muitas fotografias de Chefes de aldeias. Depois podíamos fazer mais fotografias de famílias, mas primeiro era sempre a do Chefe…

AI – É verdade que era mais fácil conseguir famílias nos países em desenvolvimento do que nos mais desenvolvidos?
UO Sim, foi muito mais difícil em locais como a Europa porque toda a gente está a trabalhar. Se encontramos alguém e essa pessoa aceita fazer a fotografia, diz logo que a mulher está a trabalhar, os filhos na escola e ao fim do dia têm futebol… Em África se as crianças estão a trabalhar no campo, alguém vai lá chamá-las a correr e faz-se logo a fotografia. [risos] Em alguns países era muito fácil. Lembro-me uma vez na Roménia que fomos falar com o Director de uma escola, porque nos disseram que falava alemão e lá poucas pessoas falam línguas estrangeiras. Fomos lá e ele disse: sim, vamos fazer agora a fotografia. E nós perguntámos: então e as crianças aqui da escola? E ele respondeu: podem ir para casa, sem problema. [risos] Tivemos primeiro de fazer uma fotografia de cada turma com o Director, depois uma fotografia dos professores com o Director e depois então o Director fechou a escola e fomos a casa dele. [risos] (…)

AI – E nos países mais desenvolvidos seria só uma questão de tempo ou havia também maior desconfiança?
UO Nos países industrializados, como em partes da Europa e nos Estados Unidos da América, as pessoas ficam muito surpreendidas quando alguém quer fazer uma fotografia da sua família, gratuitamente, e pensam que deve haver alguma coisa por detrás. Eram cépticos em relação ao que eu queria realmente. O que fiz foi fazer uma brochura com as primeiras fotografias e com uma imagem do que viria a ser a exposição no futuro. A propósito, uma vez foi muito engraçado… [risos] Estava em Marrocos, a caminho do Saara Ocidental e havia muita polícia, muitos postos de controlo e tínhamos sempre de mostrar os papéis. Um deles viu que tínhamos muito equipamento no carro e perguntou o que andávamos a fazer. Mostrei-lhe a brochura e disse-lhe que íamos fazer uma exposição em Colónia, na Alemanha, com as fotografias expostas num mural… Então ele perguntou: “Os alemães ainda gostam de construir muros, é?”… [risos]

AI – Deve ainda ter encontrado famílias muito amistosas…
UO Sim… Em todos os países muçulmanos. Para eles o estrangeiro é um convidado e por isso não se pode simplesmente deixá-lo ir embora. Passávamos muito tempo em casa deles e muitas vezes era difícil conseguir deixá-los… Ligavam a toda a família, primos… E tudo vinha ver-nos. Na altura até viajava com a minha mulher e ela era uma sensação, porque as raparigas muçulmanas, no Paquistão, no Irão, no Este da Turquia, não podem fazer o que querem, não poderiam ir numa viagem assim. Então tinham muita curiosidade em saber da vida dela, das viagens…

AI – Por outro lado há famílias muito curiosas. Em algumas vemos elefantes, objectos estranhos… Quem escolhia o que ia entrar na fotografia?
UO Eram as famílias. E nas fotografias em que havia elefantes era muito difícil, porque o elefante está sempre a mexer a tromba…Num filme de 12 fotografias, em nove a tromba está mesmo à frente da família… [risos]

AI – Esteve também em Portugal… Na exposição está uma fotografia tirada no campo, em Montalegre, mas no livro tem mais algumas, não é assim?
UO Sim, tirei também em Braga e noutros locais. Em Braga houve até uma história engraçada… Conheci um senhor na cidade e perguntei se tinha família e se podíamos fazer uma fotografia. Ele disse: “sim, venha logo à noite, que estará lá a minha mulher e as minhas filhas”. Quando cheguei a casa, a mulher não estava e ele disse: “a minha mulher está na prisão”. Perguntei logo o que tinha acontecido, assustado. E ele disse: “ela trabalha lá”… [risos]

AI – Em cada país, como em Portugal, tentava sempre fazer fotografias nas cidades e no campo?
UO Na cidade era sempre mais difícil porque as pessoas estão sempre a correr… E mesmo para fotografar num apartamento é mais complicado, porque há pouco espaço. Por exemplo, não fiz nenhuma fotografia em Nova Iorque. Fiz de pessoas de lá quando estavam na casa de campo, ao fim de semana.

AI – Depois de ter conhecido tantos países e tantas culturas, o que diria às pessoas que dizem que os Europeus são de uma determinada maneira, os Africanos são de outra, os asiáticos são assim e os muçulmanos são de outra forma… Também traçaria um padrão?
UO Não. Porque quando vamos à casa das pessoas e falamos com elas durante algum tempo, percebe-se que somos todos iguais… Todos temos o mesmo tipo de problemas…

AI – Tinha essa consciência antes ainda de fazer esta viagem ou foi com as “1000 Famílias” que concluiu tudo isso?
UO Já tinha, porque já viajava antes. Viajava, de outra forma, para trabalhar, para fazer fotografias de publicidade… Já tinha ido de mota e de carro à Ásia, algumas vezes, por exemplo. Estava habituado a viajar, mas esta viagem foi muito especial porque íamos de família em família.

AI – Há alguma família que recorde particularmente ou que o tenha surpreendido mais?
UO Cada família é uma pequena história em si mesma, por isso é difícil destacar. Mas há algumas fotografias que prefiro, pela história da família. Por exemplo, há na exposição uma fotografia de uma família da Turquia, de uma família muito grande que foi fotografada à frente de uma porta. Gosto muito da imagem porque o marido, o senhor, tinha-me dito que tinha ficado muito orgulhoso porque tinha comprado vacas na Holanda, porque dão muito leite…. [risos] Tinha umas 11 vacas mas estava muito desiludido porque na Turquia elas afinal não davam assim tanto leite… Não comiam o mesmo, não tinham o mesmo clima… Quando vejo a fotografia lembro-me da história…

AI – Sente que aprendeu com este projecto? Que foi uma lição de vida?
UO Foi uma experiência fantástica. Acho que a minha forma de viver mudou também… Mas não sei se mudei assim tanto… Talvez nos tornemos menos críticos quando viajamos assim. Aceito hoje mais as coisas. As pessoas são diferentes de nós e por vezes isso torna-nos impacientes, mas é preciso ser paciente…

AI – E consegue hoje destacar alguma característica que considere que é igual a toda a raça humana?
UO Inicialmente era a família o ponto comum a todos os Seres Humanos. Eu não estive em todo o mundo, mas encontrei muito poucas pessoas que eu imaginaria a fazerem uma Guerra. Estive, por exemplo, no Congo, quando havia uma revolução a decorrer e as fronteiras estavam fechadas. As pessoas estavam muito agressivas… Mas mesmo aí não senti que nos podiam fazer mal e no final eram até amigáveis. Mesmo quando houve situações mais complicadas… Havia um homem que tinha uma granada na mão o tempo todo e estava sempre a ameaçar atirá-la. E andou connosco todo o dia porque queria boleia e não podíamos dizer que não… [risos] Mas ele não nos fez nada. Eu acho que todas as pessoas são pacíficas, de alguma forma, mas às vezes quando há demasiada política no meio começa tudo isto… É político. Seria óptimo se todos os políticos fizessem uma viagem destas antes de se tornarem líderes.

AI – Agora tem um novo projecto, que visa tirar fotografias a pais e filhos adolescentes. Deixou mesmo a publicidade…
UO Não foi uma coisa propositada, porque a publicidade é uma boa forma de fazer dinheiro, mas quando parti nestas viagens não podia continuar. Ainda fui a Paris umas vezes fazer alguns trabalhos, mas a minha cabeça estava noutro lado… É estranho… Acabei por sair do ramo.

AI – Neste novo projecto a ideia é unir duas gerações?
UO É um projecto mais baseado na situação actual, está centrado na União Europeia e nas preocupações sobre o futuro. Pergunto aos jovens e aos pais o que pensam sobre o futuro e sobre o presente, sobre o problema da poluição, entre outros. Depois coloco as fotografias dos pais de um lado e dos adolescentes do outro, juntamente com um texto.

AI – Quando começou e quando pensa terminar?
UO Comecei no início deste ano e a ideia é terminar no final do ano. Procuramos, agora, patrocinadores e fundos e ainda não conseguimos o que precisamos. Temos cerca de 15 pais e adolescentes de quatro países e deviam ser umas 200 fotografias.
Fonte: Amnistia Internacional

Comentários
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2 comments on “1000 Famílias – O Álbum de Família do Planeta Terra
  1. Politikus

    Andava eu a navegar na net, quando deparei com uma reportagem de um blogger brasileiro, sobre bombas de sementes. Lrembrei-me logom do teu blog…
    Se quiseres ver:
    http://rodrigobarba.com/blog/category/rede-ecoblogs/

    2 de Junho, 2010
  2. UniPlanet

    Olá polittikus,
    muito obrigado pela dica!
    Ainda não conhecia as bombas de sementes. Achei uma ideia muito engraçada!!

    4 de Junho, 2010
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