A Poetisa de Peroguarda – Virgínia Dias
“Cante ao Menino” – tradicional do Alentejo – numa das mais belas versões: a de Virgínia Dias, de Peroguarda, Ferreira do Alentejo (no fim do cante dá uma explicação sobre a música).
Virgínia Dias nasceu a 16 de Agosto de 1935, no Alentejo. Filha de camponeses, concluiu apenas o ensino primário.
Abandonou a escola (e o sonho de ser professora) aos 11 anos, para trabalhar no campo e ajudar a família a criar os irmãos. Ao trabalho do campo e ao conhecimento da terra, cedo juntou o amor pelas palavras e pelo canto. Nas suas próprias palavras: “foi esse dia camponês que me ensinou a ser poeta”.
Conheceu Giacometti, etnomusicólogo que registou o melhor da música tradicional portuguesa e que ouviu «O Menino» e «Solidão», dois temas que haviam de o emocionar sempre que os escutava. «Quantas vezes a gente cantava e as lágrimas corriam-lhe cara abaixo», recorda-se Virginia Dias.
Serei?
Eu! O que sou eu?
Olho-me toda! A ver se me descubro.
Serei uma amálgama de tudo
De tudo o que me marcou?
Serei?
Uns pés descalços?
A fome que me erguia,
Num canto de dor, que o céu não ouvia?
Um campo de maduro trigo,
Tombando na revolta de mal repartido?
A lágrima doendo contida,
Quando de palhaço me queriam vestida?
A nuvem que dava tudo
E nada me dava.
Doce ilusão, que o vento levava?
Serei o maltês?
Serei o mendigo?
No desespero, cinza e cansaço que trago comigo?
Na solidão, grito escancarado
Que sobre mim tomba.
Serei o montado
De tanto lhe beber o grito, lhe beber a sombra?
Na saudade, lágrima, lágrima que cresce
E não dou estancada
Serei a terra molhada?
No sonho que me tira, duma vida rasa
Serei do pássaro a asa?
No inconformismo, ao que é imposto
Na ânsia de dar, ao vento o meu rosto
Subir aos cerros, descer aos barrancos
Mesmo ao mais profundo
Serei o vagabundo?
O que sou eu?
Que sou?
Nesta angústia de ser
Já nem sei se existo.
Mas se existo eu sou
Sou sim! Tudo isto!
Poema de Virgínia Maria Dias
Alexandra
Lindo poema e disponibilidade para partilhar estas memórias de tempos tão dificeis.
4 de Maio, 2010UniPlanet
Olá Alexandra,
5 de Maio, 2010obrigado pelo comentário.
Mais uma vez se pode ver que a vida no campo é um bom mestre para a poesia!