Crianças em Locais de Desastre Natural
Cerca de 25 mil crianças são levadas todos os anos de cenários de catástrofe natural para redes de prostituição ou adopção ilegal, entre outros crimes. As inundações na região serrana do Rio de Janeiro, só em Teresópolis terão deixado desalojadas mais de 2800 crianças, reforçando o alerta para um fenómeno hoje recorrente na agenda internacional de defesa dos direitos das crianças. Em situações de emergência, o rapto de crianças tende a disparar.
Jose Lorente, responsável pelo projecto DNA-PROKIDS, que em 2004 fez da genética uma arma de combate ao tráfico humano, ajuda a traçar um cenário conhecido mas pouco documentado.
Segundo as estimativas globais das Nações Unidas, todos os anos são traficadas entre 250 mil e 800 mil crianças. “Pelo menos 10% são situações facilmente associadas a desastres naturais“, sublinha o responsável. Das pelo menos 25 mil crianças, que todos os anos desaparecem nestas circunstâncias, serão uma minoria as que acabam em situações de adopção ilegal, alerta o especialista. “A maioria entra em esquemas de escravatura ou exploração sexual. Isto acontece sobretudo em sítios onde antes dos desastres já havia redes de tráfico. Mexem-se depressa e chegam às crianças antes de haver uma protecção das autoridades ou o reencontro com as famílias.”
O programa internacional, fundado na Universidade de Granada, Espanha, é o primeiro a nível mundial dedicado à identificação de crianças longe das famílias e, numa fase posterior, à sua associação genética com pais e famílias à procura de jovens que desapareceram dos países de origem.
Depois de uma fase piloto entre 2006 e 2009, o ritmo de actividade no ano passado acabou por revelar a eficácia da estratégia: em 12 meses de colaboração com 15 países, entre eles México, Filipinas ou Indonésia, conseguiram devolver 250 crianças às suas famílias. Um dos primeiros casos de sucesso aconteceu poucas semanas depois do terramoto que devastou o Haiti: devolveram 13 crianças, levadas para a Bolívia, aos pais que as procuravam em Port-au-Prince. O caso surgiu depois de as autoridades da Bolívia terem decidido investigar a chegada de 70 imigrantes ilegais a Santa Cruz de la Sierra, pela fronteira com o Peru. O Ministério Público percebeu que 25 crianças do grupo não estavam acompanhadas por familiares e pediu a colaboração do laboratório nacional de genética forense, associado do DNA-PROKIDS, na fase piloto do programa. O recurso aos especialistas espanhóis numa situação real encontrou sete mães e um pai a quem tinham sido tirados os filhos.
O programa está neste momento em expansão para os EUA através de uma parceria com a Universidade do Norte do Texas. O objectivo, explica Lorente, é despistar casos de tráfico mas também prevenir adopções ilegais. “Os traficantes e as pessoas que planeiam este tipo de adopções devem passar a estar conscientes de que o ADN consegue descobrir os seus crimes“, resume. Há também casos motivados por uma aparente boa vontade, como o dos padres baptistas que tentaram tirar 30 crianças do Haiti logo após o sismo de 12 de Janeiro do ano passado. Em situações suspeitas, as autoridades podem pedir ao grupo que teste maternidade e paternidade e, em caso de negativo, verificar se há familiares à procura do jovem. “Cada país guarda a sua base de dados, não centralizamos a informação”, adianta o responsável, acrescentando que é um projecto científico de mediação. Até hoje, nenhum caso os trouxe até Portugal.
A vulnerabilidade das crianças em zonas de catástrofe ou cenários de conflito tem sido abordada nos últimos relatórios mundiais de emergência e defesa das crianças. Num levantamento recente de situações de risco levado a cabo pela UN.GIFT – uma iniciativa da ONU lançada em 2007 para combater o tráfico humano -, sublinha-se que crianças em campos de refugiados ou abrigos temporários são frequentemente alvo de organizações criminosas ou traficantes.
“Em circunstâncias muitas vezes caóticas, os traficantes conseguem contornar os esforços dos governos para exercer autoridade e proteger populações vulneráveis“, alerta a plataforma. Já o Relatório da Acção Humanitária 2010, publicado pela Unicef no ano passado, introduzia o fenómeno no prefácio. “Os desastres naturais e provocados pelo homem são um teste derradeiro ao compromisso mundial com as crianças”, escreveu a directora-executiva Ann Veneman. “Nos acampamentos, as crianças correm um risco acrescido de ficarem separadas das famílias e mais vulneráveis a abusos sexuais, tráfico, rapto ou trabalhos forçados.” Outro trabalho, da ECPAT Internacional – organização não governamental contra o tráfico sexual – alertava, no ano passado, para o aumento de casos com menores, depois das cheias de 2007 na Suazilândia e na Índia em 2008, com situações de raparigas vendidas para casamentos forçados.
Ainda assim, o problema não está restrito aos países pobres e, no caso da adopção ilegal e do tráfico sexual, tem muitas vezes como destino os Estados Unidos e a Europa, diz Lorente. Em 2008, um estudo promovido pela Shared Hope International, organização de defesa de crianças e mulheres, estudou o crescimento da indústria sexual em Baton Rouge depois do furacão Katrina, em 2005. Em dois anos, o abrigo para jovens em risco da rede Youth Oasis na capital do Louisiana, para onde se mudaram muitos dos desalojados de Nova Orleães, recebeu 157 jovens, 57% considerados vítimas de tráfico sexual e com média de idades de 12 anos. A investigação apurou que muitos foram aliciados logo após a catástrofe.
Fonte: Ionline