O Tabaco que Fuma Está a Envenenar as Crianças que o Colhem na Indonésia
Samsul Hadi começou a trabalhar nas plantações de tabaco da sua vila quando tinha 9 anos. Ao fim de pouco tempo, começou a ter dores de costas, as suas mãos ficaram negras graças ao resíduo pegajoso das folhas de tabaco e começou a vomitar sangue – consequências da intoxicação por nicotina.
“Tossia durante dois dias e vomitava sangue no dia seguinte”, explica o jovem, agora com 18 anos. “As crianças não são suficientemente fortes. Não quero que elas passem por esta experiência.”
Dezenas de milhares de crianças continuam a trabalhar nas plantações de tabaco da Indonésia, onde ficam expostas a sérios riscos de segurança e à intoxicação aguda por nicotina – uma condição que pode ter efeitos prejudiciais para o cérebro e para o desenvolvimento físico destas crianças –, informa a Human Rights Watch (HRW).
A Indonésia é o quinto maior produtor de tabaco do mundo, com mais de 500 000 plantações espalhadas pelo país. Muito deste tabaco é vendido a produtores multinacionais de cigarros que são fumados em todo o mundo, diz o relatório realizado pela HRW, que entrevistou 130 crianças sobre as suas condições laborais nas quintas onde trabalham.
As leis nacionais proíbem crianças com menos de 15 anos de trabalhar e os menores de 18 anos de realizar trabalhos considerados perigosos, incluindo aqueles em que podem estar expostos a químicos nocivos.
Os investigadores da HRW descobriram, no entanto, crianças com apenas 8 anos a trabalhar nas plantações, cultivando e colhendo as folhas de tabaco, o que as deixa expostas, continuamente, à nicotina, a pesticidas tóxicos e a outros perigos.
Metade das crianças entrevistadas queixaram-se de vómitos, náuseas, dores de cabeça, desmaios e tonturas – sintomas consistentes com os do envenenamento agudo por nicotina, que ocorre quando a nicotina é absorvida pela pele durante o manuseamento do tabaco, conta o The Guardian. Algumas destas crianças trabalhadoras faltam ou acabam por abandonar a escola, diz o relatório.
As sete marcas multinacionais que compram tabaco na Indonésia
Os sete produtores de cigarros multinacionais mencionados no relatório têm medidas insuficientes para se assegurarem que as suas cadeias de fornecimento estão livres de trabalho infantil, defende a HRW.
As empresas que adquirem ou possuem negócios de tabaco na Indonésia apontadas pelo relatório, segundo a Bloomberg, são:
- Altria Group Inc. (que produz, entre outras marcas, a Marlboro, a Parliamente e a Virginia Slims)
- British American Tobacco Plc (produtora das marcas Dunhill, Lucky Strike, Pall Mall, entre outras)
- China National Tobacco Corp. (a maior produtora de cigarros do mundo)
- Imperial Brands Plc (que produz os cigarros Davidoff e Gauloises Blondes, entre outros)
- Japan Tobacco Inc. (fabricante das marcas Silk Cut e Benson & Hedges, entre outras)
- Philip Morris International Inc. (tabaqueira do grupo Altria que produz, entre outras marcas, a Marlboro, os cigarros mais vendidos do mundo)
- Reynolds American Inc. (que fabrica a Winston, a Camel, entre outras marcas)
A British American Tobacco e a Phili Morris são proprietárias ou controlam, respetivamente, as empresas indonésias PT Bentoel Internasional Investama e a PT Hanjaya Mandala Sampoerna.
“As empresas de tabaco não deveriam contribuir para a utilização de trabalho infantil perigoso através das suas cadeias de fornecimento”, diz Margaret Wurth, coautora do relatório da HRW, acrescentando que se estas empresas “nem sequer sabem de onde vem o tabaco que compram, é impossível que possam garantir que não houve crianças a arriscar a sua saúde para o produzir”. A investigadora reconhece que estas empresas estão a tomar medidas, mas que “nenhuma possui políticas suficientemente abrangentes”.
A fiscalização no terreno para assegurar que as crianças não manuseiam o tabaco é limitada, sendo que os próprios inspetores de trabalho do país não visitam as quintas, afirma a coautora do trabalho.
Sem Equipamento Protetor
As crianças entrevistadas, com a exceção de um pequeno número que usava equipamento protetor, também estavam expostas, rotineiramente, a pesticidas, fertilizantes e outros agentes químicos sem a proteção adequada.
Maryam, de 13 anos, começou a ajudar os seus pais nas plantações quando tinha 9 ou 10 anos. Isto provoca-lhe tosse, mas ela tem uma máscara para a proteger que, contudo, não usa.
«Porque então as pessoas diziam: “Porque estás a usar uma máscara? Pareces uma das pessoas da cidade. É apenas tabaco”», explica ela.
Maryam quer ser professora de ciências se a sua família conseguir juntar dinheiro suficiente para que ela acabe os estudos. «Se me queixo, as pessoas dizem: “Ainda és tão nova e já estás com dores?”», conta.
A Organização Internacional do Trabalho estima que 1,5 milhões de crianças trabalhem no sector da agricultura na Indonésia, o que inclui as plantações de tabaco, borracha e de óleo de palma.
Cerca de 12% da população rural do país asiático vive abaixo do limiar nacional da pobreza, diz o Banco Mundial. Muitas das crianças entrevistadas para o relatório afirmaram que faziam este trabalho para contribuir para o rendimento familiar.
Fotos: Marcus Bleasdale (Human Rights Watch)