O inesperado efeito de se dar algum dinheiro aos pais de crianças pobres
Há cerca de 20 anos, em 1993, um grupo de investigadores iniciou um estudo sobre a saúde mental das crianças a viverem em zonas rurais dos EUA. Para tal, a equipa acompanhou os casos de 1420 crianças de famílias de baixos rendimentos na Carolina do Norte.
Quatro anos após o início do estudo The Great Smoky Moutains Study of Youth, algo totalmente inesperado aconteceu: foi construído um casino na reserva índia local e, a partir desse momento, cada cidadão índio adulto passou a receber uma parte dos seus lucros. Por outras palavras, isto significou que quase um quarto das famílias das crianças estudadas viu um aumento súbito de rendimentos – cerca de $4000 (3500€) anuais por pessoa.
Este dinheiro extra foi responsável por aumentar, em média, quase 20% dos rendimentos destes agregados familiares. Para os investigadores, esta circunstância também se tem revelado valiosa, continuando, hoje em dia, a proporcionar uma oportunidade única para se observar a forma como o dinheiro pode afetar diretamente o futuro das crianças, especialmente das que sofrem de distúrbios comportamentais e problemas de saúde mental.
“Seria praticamente impossível repetir este tipo de estudo longitudinal”, contou, ao Washington Post, Randall Akee, professor da Universidade da Califórnia, que revisitou os dados originais num estudo recente. “Foi extremamente importante para o desenvolvimento das crianças, para o seu bem-estar”, explicou. “E o efeito não foi pequeno – foi, de facto, considerável.”
Para o seu trabalho, o investigador analisou os dados do estudo original em busca de possíveis mudanças nas crianças, nos anos que se seguiram ao advento do casino, e descobriu que o dinheiro extra causou uma diminuição nos casos de distúrbios comportamentais e emocionais nas crianças e adolescentes estudados e estimulou o desenvolvimento de traços de personalidade que costumam ser associados a várias formas de êxito e felicidade ulteriores na vida.
“Estamos a referir-nos a todo o tipo de factores bons e positivos a longo prazo”, declarou Emilia Simeonova, professora da Universidade de Johns Hopkins e coautora do estudo. “Existem correlações muito fortes entre [estes traços] e a capacidade de se manter um emprego, de se manter uma relação estável. (…) Abrem caminho para que as pessoas sejam bem-sucedidas social e profissionalmente.”
A mudança foi mais pronunciada nas crianças que apresentavam o maior défice nestes aspetos. “Isto reduz, com efeito, a desigualdade no que diz respeito aos traços de personalidade”, disse Randall Akee. “Em média, todos beneficiam, mas, em particular, está a ajudar os que mais necessidade têm.”
O motivo por que isto aconteceu é algo que nem a sua equipa, nem os investigadores do estudo original sabem dizer com certeza. Contudo, não deixam de formular algumas teorias, apoiadas nas mudanças observadas nas famílias, após a construção do casino.
Com base nas entrevistas realizadas aos pais, os investigadores notaram uma mudança acentuada na saúde mental dos mesmos. Houve uma tendência para que as relações entre cônjuges e entre pais e filhos melhorassem. A somar a isto, também notaram uma tendência para os pais consumirem menos bebidas alcoólicas. Todas estas mudanças podem ter um profundo impacto no bem-estar das crianças.
“Existe uma vasta bibliografia que mostra que para se alterar a qualidade de vida futura das crianças, nada melhor do que se tratar os pais, em primeiro lugar”, disse Emilia Simeonova. “E estas são mudanças bem claras nos pais.”
O dinheiro extra – embora não se tratasse de um valor que permitisse aos pais viver exclusivamente dele – serviu de garantia, de um rendimento básico, que os ajudou a pagar a renda, a comida e outras despesas básicas. E isto, por sua vez, ajudou a aliviar o stress causado pelas suas preocupações financeiras.
“Sabemos que o assunto sobre o qual os casais pobres mais discutem é o dinheiro”, explicou Randall Akee. “Desde já, isto traduz-se num ambiente familiar mais harmonioso.”
Também houve famílias que usaram o dinheiro para ir viver para zonas onde os residentes tinham rendimentos e níveis de escolaridade mais elevados.
O impacto que um aumento – mesmo que modesto – nos rendimentos de famílias desprivilegiadas pode ter na geração seguinte raramente, ou nunca, foi estudado num grupo tão grande de pessoas.
“Sabemos que as crianças de famílias de baixos rendimentos passam por mais dificuldades, (…) em termos de capacidades cognitivas e de distúrbios comportamentais, do que as crianças de zonas mais abastadas”, disse Emilia Simeonova. “Agora temos uma noção do que mesmo uma pequena quantidade de dinheiro pode fazer para mudar estas coisas, para mudar as suas vidas.”