Círculo de Veneno: as voltas que os pesticidas dão até chegarem aos nossos pratos
O ambiente não tem fronteiras. A poeira e a poluição da China instalam-se nos EUA. A radiação nuclear de Chernobyl chegou à Islândia. O que vai para o ambiente dá a volta ao mundo.
Estas são declarações de David Weir, jornalista e coautor do livro de 1981 Circle of Poison: Pesticides and People in a Hungry World (“Círculo de veneno: Pesticidas e Pessoas num Mundo onde há Fome”).
Realizado em 2015, o documentário com o mesmo nome examina a forma como os pesticidas proliferaram depois da II Guerra Mundial e os danos incalculáveis que estas substâncias tóxicas causaram nas populações e ecossistemas dos países em desenvolvimento.
Em 2013, a Agência de Proteção Ambiental dos EUA revelou que os pesticidas proibidos, não registados ou de uso restrito no país eram, mesmo assim, fabricados em 23 estados para serem exportados. Usados para cultivar café, fruta, chá e outros produtos, estes químicos regressam ao seu país de origem como resíduos na comida importada. É um círculo de veneno.
“O governo norte-americano estava a permitir e, de facto, a encorajar a exportação de produtos que estavam proibidos, fortemente regulamentados, restringidos ou não registados nos EUA, quase como compensação às empresas por estas terem perdido o mercado norte-americano”, disse David Weir, referindo-se à forma como os EUA começaram a exportar estes pesticidas perigosos.
Em Kasaragod, uma cidade do estado indiano de Querala, décadas de pulverização do pesticida endosulfan – um inseticida perigoso proibido em muitos países – nas quintas de produção de cajus causaram deformações graves em centenas de crianças. Em 2010, os EUA também proibiram esta substância. No entanto, continua a ser legal fabricá-la no país para exportação, conta a Al Jazeera.
“Os pesticidas são promovidos como sendo uma forma muito moderna de se fazer agricultura. Lembro-me de ler num livro, há anos, que a Índia é um país subdesenvolvido por não usar pesticidas. Fizemos de venenos a medida do progresso”, declarou Vandana Shiva, influente ativistas e escritora indiana.
O que eu descobri nos meus 25 anos a trabalhar com a diversidade, a trabalhar para construir sistemas agrícolas ecológicos, foi que os sistemas agrícolas livres de químicos e de venenos, que intensificam os processos ecológicos e a biodiversidade, produzem mais comida por hectare e mais nutrição por hectare: é este o caminho que temos de seguir.
No Vale do Rio Yaqui, no México, os pesticidas causaram doenças aos filhos das mulheres que trabalham nos campos. Em Ituzaingo, na Argentina, onde se verificou um aumento considerável na utilização de agroquímicos nas plantações de soja, as taxas de incidência do cancro são presumivelmente 41 vezes a média nacional. Mesmo nos EUA, os habitantes que vivem perto de um corredor de instalações industriais onde são fabricados pesticidas para exportação, no estado de Louisiana, têm estado expostos a estes químicos, o que levou a uma elevada incidência de cancro.
O documentário leva-nos a conhecer crianças com doenças provocadas pelos pesticidas e os ativistas que lutam para trazer estes problemas à luz do dia e para garantir o acesso das comunidades a alimentos seguros. Conhecemos algumas das suas vitórias: o grupo Mães de Ituzaingo, por exemplo, conseguiu que a pulverização aérea de pesticidas a menos de 2500 metros de distância de residências fosse proibida.
No centro de toda esta questão estão as empresas que controlam 75% do comércio global de pesticidas, Monsanto, Bayer, Dow, Syngenta, DuPont e BASF, corporações estas que formam poderosos grupos de interesses, que moldam as legislações responsáveis por regulamentar a agricultura e a produção de alimentos.
Circle of Poison aborda as alternativas a este sistema que estão a ser criadas em todo o mundo – desde cooperativas agrícolas biológicas no México e na Argentina, até ao caso do Butão, que quer ser o primeiro país do mundo com agricultura exclusivamente biológica. O documentário realizado por Evan Mascagni e Shannon Post conta ainda com entrevistas a figuras emblemáticas, como Vandana Shiva, o ex-presidente dos EUA Jimmy Carter, Patrick Leahy, Noam Chomsky, David Weir e o Dalai Lama.