Mapas revelam como o que compramos ameaça a vida selvagem a milhares de km de nós
E se o café que bebeu ontem à noite estivesse a colocar em risco o macaco-aranha a milhares de quilómetros de si, na América Central? Ou se a T-shirt que comprou for proveniente de uma fábrica têxtil na Malásia construída onde antes havia um habitat importante para as espécies nativas?
Os produtos que compramos, desde iPhones e jeans à mobília da IKEA, têm custos que vão muito além do seu preço. Muitas vezes, a maior ameaça para uma espécie em risco de extinção é intensificada pela procura de produtos em países a milhares de quilómetros de distância dela. E isto torna o trabalho de proteção da vida selvagem e da biodiversidade uma tarefa ainda mais difícil.
Para ajudar a compreender como o comércio internacional está a afetar a vida selvagem, investigadores da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia e da Universidade Shinshu criaram uma série de mapas mundiais que mostram os pontos de ameaça para as espécies no mundo e os países que estão a contribuir para essa situação. As suas descobertas revelaram alguns dados inesperados.
- Por exemplo, os bens importados pela Alemanha colocam em risco mais de 600 espécies em países como a Rússia, o Sudão e Madagáscar.
- A produção de azeite espanhol para exportação para os Estados Unidos afeta o habitat dos linces-ibéricos, uma espécie criticamente ameaçada, devido à construção de barragens para controlar a irrigação dos terrenos agrícolas.
- A exploração de ouro afeta os mangais, onde existem várias espécies de plantas criticamente ameaçadas e habita o vulnerável manatim.
Foto: Lince-ibérico
Foto: Manatim
As medidas de conservação têm de considerar não apenas o ponto de impacto, mas também a procura por parte do consumidor que, em última análise, impele a utilização de recursos”, diz o estudo que publicaram na revista científica Nature Ecology & Evolution.
Os autores do estudo, Daniel Moran e Keiichiro Kanemoto, analisaram 6803 espécies vulneráveis, ameaçadas ou criticamente ameaçadas de animais terrestres e marinhos, segundo a UICN (União Internacional para a Conservação da Natureza) e a BirdLife International, identificaram as mercadorias que as afetam e seguiram esses produtos até ao seu destino final. Desta forma, os investigadores calcularam a medida em que o consumo de bens noutros países contribui para o nível de ameaça de cada animal.
Como o consumo na União Europeia, EUA, Japão e China afeta a vida selvagem
Como o consumo na União Europeia afeta a vida selvagem no mundo
Os mapas dos investigadores mostram que o consumo na União Europeia está a ter um grande impacto na Rússia e em África, particularmente em países como a Etiópia, Marrocos, Zimbabué e Madagáscar. O roxo representa as espécies terrestres e o azul as marinhas. Quanto mais escuro o roxo e mais esverdeado o azul, maior a ameaça causada pelo consumo.
Como o consumo no Japão afeta a vida selvagem no mundo
As exportações para o Japão estão a ter um impacto considerável na Etiópia e em Papua-Nova Guiné, onde se localizam plantações de cacau e de óleo de palma e onde são derrubadas muitas árvores.
Como o consumo nos EUA afeta a vida selvagem no mundo
O consumo nos Estados Unidos está a afetar espécies terrestres no sudeste asiático e em Madagáscar, no sul da Europa, na região do Sahel, na América Central e no sul do Canadá. Em Portugal e em Espanha, os consumidores norte-americanos também estão a afetar várias espécies ameaçadas de aves e peixes.
Como o consumo na China afeta a vida selvagem no mundo
O consumo na China causa problemas à vida selvagem em França, Espanha, Portugal, Rússia e na Mongólia, mostrados a roxo escuro no mapa.
As ameaças à vida selvagem
As 166 ameaças que os cientistas analisaram e que se podem atribuir à atividade humana não se limitam à pesca ou à caça direta dos animais ameaçados ou das espécies das quais estes dependem para sobreviver. As exportações também contribuem para o aumento da poluição e para a destruição de habitats de importância crítica – habitats que são devastados de forma a abrir espaço para a agricultura e para o crescimento urbano.
Estes mapas mostram diferentes ameaças à vida selvagem, no sudeste asiático, causadas pelas exportações para os EUA
Segundo Daniel Moran, estas ligações entre o consumo e os impactos ambientais dão aos governos, empresas e consumidores uma oportunidade de compreender melhor estes mesmos impactos para que possam tomar medidas para os combater. “Ligar observações de problemas ambientais a atividades económicas, essa é a inovação aqui”, disse o investigador. “Uma vez feita a ligação entre o impacto ambiental e a cadeia de fornecimento, muitas pessoas ao longo da cadeia de fornecimento, não apenas os produtores, podem participar na transformação dessa cadeia.”
Os investigadores esperam ainda que o seu trabalho possa ajudar os esforços de conservação. “Localizar os pontos de ameaça à biodiversidade intensificados pelo consumo de bens e serviços pode ajudar a unir conservacionistas, consumidores, empresas e governos de forma a melhor se dirigirem as ações de conservação”, declarou Keiichiro Kanemoto.