Muros erguidos na Europa para travar refugiados estão a matar a vida selvagem
A construção de barreiras e muros de arame ao longo das fronteiras de vários países europeus para travar a entrada de refugiados está a afetar mais do que as vidas destas pessoas. Existem entre 25 e 30 mil quilómetros de muros a separar diversos países da Europa do Leste e da Ásia Central e estas estruturas estão a matar os animais selvagens que ficam presos nelas, assim como a impedir o movimento da vida selvagem, avisa um estudo publicado na revista científica PLOS Biology.
Segundo os investigadores, a sua construção foi feita precipitadamente e sem serem avaliados os riscos que os muros podem representar para as espécies nativas, incluindo o lince euroasiático, os lobos, os ursos pardos e os leopardos-das-neves.
Têm sido encontrados mortos, nos arames farpados destas estruturas, veados, corços, linces, entre outros animais. Uma vez presos no arame, os animais tentam libertar-se com puxões bruscos, que os deixam cada vez mais enredados no arame, e acabam por morrer de perda de sangue ou exaustão.
As barreiras, dizem os investigadores, também travam a migração sazonal, limitando o acesso dos animais a recursos que se podem encontrar do outro lado da vedação, e separam grupos da mesma espécie, o que poderá levar a um aumento da consanguinidade dos animais e a uma diminuição dos números das populações.
Mapa elaborado pelos investigadores que mostra as barreiras metálicas existentes na Europa e na Ásia Central
1ª imagem: Veado morto na barreira da Eslovénia | Foto: Martin Lindic
John Linnel, autor do estudo e cientista do Instituto Norueguês para a Investigação da Natureza, declarou que o seu trabalho de investigação tinha surgido em resposta à construção, em 2015, de um muro de 725 km ao longo da fronteira entre a Eslovénia e a Croácia, uma zona que é crucial para a migração de diversas espécies através dos países dos Balcãs.
Das 10 matilhas de lobos a viver na Eslovénia, cinco atravessam recorrentemente a fronteira com a Croácia, vivendo em ambos os países. Os investigadores temem as consequências que a vedação deste habitat poderá ter para a população de lobos e de outros carnívoros. “Para o lince dos Alpes Dináricos, a construção do muro de arame farpado poderá tratar-se mesmo do derradeiro empurrão para a população entrar na espiral da extinção”, dizem os cientistas. O lince só foi reintroduzido nos Alpes Dináricos em 1973, depois de ter sido dizimado pelo homem.
“Começamos a questionar quão generalizado seria este problema – e então começamos a investigar e a descobrir que, de facto, é muito generalizado”, disse John Linnel. “A [anterior] bibliografia geopolítica tinha resumido alguma desta informação, mas tinha-se focado mais no significado destas barreiras, porque são construídas e o que revelam do estado das políticas globais. Nunca se tinham focado verdadeiramente no tipo de barreira, no seu comprimento, onde são construídas e que impactos têm na vida selvagem.”
Na Mongólia, por exemplo, morreram mais de 5300 gazelas-mongóis, em 2015, ao longo das linhas do caminho-de-ferro transmongol, que vão da China à Rússia. Em ambos os lados das linhas existem vedações de arame farpado que interrompem a rota de migração que os animais utilizam até às pastagens mais verdes. As condições meteorológicas extremas que se verificaram no Inverno, juntamente com essas vedações, levaram a que milhares de gazelas morressem de frio e de fome. Outras foram atropeladas por comboios ou ficaram presas no arame, conta o TakePart.
Gazela-mongol presa numa vedação na Mongólia | Foto: G. Sukhchuluun
A queda da Cortina de Ferro, em 1989, e a remoção dos muros nas fronteiras da antiga União Soviética permitiram a circulação das pessoas e da vida selvagem. Ao mesmo tempo, a cooperação internacional ajudou as populações de lobos e de outros animais a recuperar. Contudo, na última década, os muros têm reaparecido.
Entre os EUA e o México foram construídos mais de 960 km de muros, desde 2006. De acordo com um estudo de 2011, estes muros colocam em risco centenas de espécies, entre as quais cinco criticamente ameaçadas.
“Quando se têm estas populações de animais já de si reduzidas e ainda as removemos de grande parte do seu habitat, isto torna muito mais difícil a sua sobrevivência”, declarou Jesse Lasky, autor deste estudo e professor da Universidade de Penn State. “Se num dos lagos aparecer uma doença e os anfíbios e répteis nesta região árida não se puderem dispersar, podem-se dizimar subpopulações inteiras de uma só vez.”
Os investigadores defendem que, embora existam medidas que podem ser tomadas para mitigar estes impactos (como a abertura de secções nos muros ou a elaboração de designs que reduzam o risco dos animais ficarem presos), é premente a necessidade de um debate público aberto sobre estas barreiras e a existência de estratégias alternativas.