Nestlé admite que o seu café pode ter sido produzido com trabalho escravo no Brasil
Nas plantações de café do Brasil, há pessoas que são vítimas de tráfico a trabalhar sem remuneração ou com uma remuneração insignificante, vivendo entre montes de lixo, bebendo água juntamente com os animais e utilizando pesticidas perigosos, avisou um relatório do centro de investigação dinamarquês DanWatch, que confrontou duas das maiores empresas de café do mundo, a Nestlé e a Jacobs Douwe Egberts, sobre este assunto.
Em resposta à DanWatch, ambas as empresas – cujas marcas incluem a Nescafé, Nespresso, Dolce Gusto, Coffee-mate e Senseo – admitiram que o café produzido com recurso a trabalho escravo pode ter acabado nos seus produtos, dado o facto de não conhecerem todos os nomes das plantações que são suas fornecedoras.
Como as duas empresas compram café a intermediários comerciais e a exportadores, e embora elas afirmem que não compram diretamente a plantações nas quais se sabe que ocorrem violações dos direitos humanos, tanto a Nestlé como a Jacobs Douwe Egberts – que representam 39% do mercado global de café – admitem não poder excluir a possibilidade de existirem condições análogas ao trabalho escravo nas suas cadeias de fornecimento.
A Nestlé confirmou ainda que tinha adquirido café de duas plantações das quais foram resgatados trabalhadores durante o Verão de 2015.
Foto: Maurilo Clareto Costa / DanWatch
O Brasil é o maior exportador de café do mundo, responsável por um terço do mercado global. No entanto, todos os anos, centenas de trabalhadores do lucrativo setor do café do país são resgatados de condições análogas ao trabalho escravo. Em julho e agosto de 2015, foram resgatadas 128 pessoas – entre as quais seis crianças e adolescentes – de plantações em Minas Gerais.
Servidão por dívida, inexistência de contratos de trabalho, exposição a pesticidas tóxicos, falta de equipamento de proteção, alojamento sem portas, colchões ou água potável foram algumas das situações descritas pelos investigadores da DanWatch no seu relatório.
Ambas as empresas frisaram, em resposta a esta investigação, que as suas políticas não toleram quaisquer violações dos direitos humanos. “Infelizmente, o trabalho forçado é um problema endémico no Brasil e nenhuma empresa cujo café ou outro ingrediente provenha de lá pode garantir com toda a certeza que removeu totalmente as práticas de trabalho forçado ou as violações dos direitos humanos da sua cadeia de fornecimento”, disse a Nestlé.
No entanto, tanto a Starbucks como a Illy, que também têm fornecedores de café no Brasil, disseram à DanWatch que conheciam todos os nomes dos seus fornecedores, podendo assim evitar as plantações da “lista negra”.
“Quando as empresas nem sequer sabem de que plantações estão a comprar [os produtos], acho que o problema é muito maior do que o que vimos aqui – é só a ponta do iceberg”, declarou Julie Hjerl Hansen, investigadora da DanWatch. “As autoridades só têm recursos para estender a mão a cerca de metade dos trabalhadores que se queixam de condições análogas ao trabalho escravo, portanto isso significa que, de todas as pessoas que escapam e conseguem apresentar queixa ao Ministério do Trabalho, apenas metade serão ajudadas.”
O trabalho de investigação da DanWatch, que foi realizado num período de sete meses, envolveu entrevistas a agricultores, especialistas e sindicatos, inspeções das plantações e o rastreio dos grãos de café através de uma “complicada cadeia de fornecimento, desde a plantação, passando pelo intermediário comercial e chegando ao mercado mundial”, conta o The Guardian.
Outra situação preocupante denunciada pelos investigadores é a utilização frequente de pesticidas tóxicos, que estão proibidos na UE, pelos trabalhadores das plantações. “Alguns destes pesticidas são tão tóxicos que só ficar com eles na pele pode matar-nos. Contudo, muitos trabalhadores pulverizam os arbustos de café com pesticidas sem utilizarem o equipamento de proteção exigido pela lei”, conta a DanWatch. Os investigadores ouviram testemunhos de trabalhadores que se queixaram de dificuldades respiratórias, erupções cutâneas e malformações congénitas.
Foto: Maurilo Clareto Costa / DanWatch