Criaturas mágicas ajudam na conservação de espécies ameaçadas, diz estudo
Sabia que as crenças em criaturas mágicas podem afetar a proteção da biodiversidade? Segundo cientistas das Universidades de Leeds e de Cardiff, a conservação de espécies ameaçadas tem “muito a ganhar” com o devido reconhecimento das crenças de carácter cultural, profano ou espiritual dos povos.
Utilizando exemplos de países como a Islândia, Madagáscar, Escócia, Etiópia e Tanzânia, os investigadores mostram os impactos positivos e negativos das criaturas míticas na conservação de espécies, no estudo “Monstros fantásticos e porque conservá-los: animais, magia e a conservação da biodiversidade”, publicado na revista científica Oryx.
“É difícil prever a forma como as criaturas mágicas podem afetar a conservação”, explicou George Holmes, autor do estudo e professor associado da Universidade de Leeds. “Há exemplos de mitos e superstições que prejudicam seriamente a sobrevivência de determinadas espécies e exemplos em que acabam por as ajudar a sobreviver.”
Quando as criaturas míticas ajudam a proteger os animais
Na Etiópia, as hienas-malhadas chegam a ser alimentadas à mão em algumas zonas, por se acreditar que consomem espíritos malignos com as suas “gargalhadas”, para além do seu papel enquanto predadores dos herbívoros que destroem as culturas.
Duas hienas são alimentadas por moradores da cidade de Harar, na Etiópia | Foto: Rod Waddington
Os números destes animais têm caído em algumas regiões, especialmente perto de zonas urbanas em expansão. Segundo os autores do trabalho, estas crenças têm ajudado as suas populações.
Também existem casos em que as criaturas míticas protegem os animais ao partilharem com eles o seu habitat. Por exemplo, na Islândia é frequente a modificação dos planos de construção de estradas e casas para não se danificar os sítios onde se acredita que vivem os Huldufólk (“o povo escondido”), os elfos islandeses.
Na Escócia, a crença de que existe um animal endémico raro a viver num dos lagos do país leva a que, todos os anos, o famoso lugar de ecoturismo seja visitado por milhares de turistas. Só em 2015, 350 mil pessoas visitaram o Loch Ness por causa do seu célebre monstro.
Os investigadores argumentam que, desta forma, a criatura mítica ajuda a conseguir receitas para a preservação e gestão da zona, para além de conferir um valor económico substancial à região.
A “fotografia do cirurgião” do Monstro de Loch Ness enganou muitas pessoas durante várias décadas, até se descobrir que se tratava da fotografia de um submarino de plástico de brincar
Madagáscar, um país fértil em crenças mágicas
Um dos papéis centrais do estudo está reservado para Madagáscar, onde as crenças espirituais em torno dos animais mágicos e míticos estão muitas vezes interligadas com tabus locais – ou fadys, como são conhecidos –, que são parte integral da cultura malgaxe.
Estes tabus podem resultar na proteção das espécies e têm, por vezes, sido encorajados por projetos de conservação. Os fadys poderão ser uma das razões da baixa prevalência de caça de animais selvagens para a obtenção da sua carne no país.
Um destes fadys tem sido incentivado para prevenir a extinção da tartaruga-estrelada-de-Madagáscar, uma espécie criticamente ameaçada, à qual as povoações malgaxes se recusam a fazer mal – em alguns casos até a tocar-lhe – por temerem algum tipo de castigo espiritual.
Contudo, como consideram que as regras locais não se aplicam às “pessoas de fora”, os malgaxes não impedem os forasteiros de prejudicar ou de levarem as tartarugas consigo.
Tartaruga-estrelada-de-Madagáscar, uma espécie criticamente ameaçada | Foto: Frank Vassen
“Madagáscar exemplifica a necessidade de se compreenderem as crenças mágicas dos povos, uma vez que existem casos em que a simplificação excessiva destas crenças levou a resultados inesperados na conservação”, disse Caroline Ward, coautora do trabalho.
Quando estas crenças são prejudiciais
O estudo também descreve casos em que este tipo de crença pode jogar contra a conservação de espécies. Por exemplo, em Madagáscar, os fadys também podem originar a perseguição a determinados animais.
Exemplo disto é o aie-aie, uma espécie de lémure noturno, que é visto pelos malgaxes como um emissário do mal, cuja aparência prediz, supostamente, a morte ou doença de alguém na aldeia. Há quem acredite, por lá, que o animal se infiltra nas casas, assassinando os seus moradores com a ajuda dos seus compridos dedos do meio, com os quais perfura a aorta das vítimas.
Para evitar a má sorte, o fady local diz que estes animais devem ser mortos e exibidos em postes do caminho.
Aie-aie | Foto: James Joel
A União Internacional para a Conservação da Natureza classificou o aie-aie como uma espécie ameaçada e reconheceu a matança movida por estas crenças como uma ameaça crítica à sua sobrevivência.
“Atualmente, estamos mal preparados para a conservação de espécies que atraem crenças humanas irracionais”, afirmou George Holmes. “As perspetivas atuais sobre os animais mágicos dentro do campo da conservação são inadequadas, já que não conseguem lidar com o que muitos veriam como crenças e comportamentos irracionais.”
“Aquilo de que precisamos é de uma abordagem interdisciplinar para a conservação, que nos ajude a compreender as interações entre os seres humanos e a biodiversidade tanto real como mágica”, defendeu o investigador.
“Precisamos mesmo de iniciar um debate sobre a forma como os monstros fantásticos podem afetar a nossa capacidade de conservar o mundo natural, já que não existem casos simples. Os conservacionistas ignoram as criaturas míticas em prejuízo da biodiversidade e dos povos locais que vivem perto ou dentro de áreas de conservação importantes”, disse Thomas Smith, coautor do estudo.
“São necessários mais trabalhos de investigação sobre o impacto das criaturas mágicas na conservação e nas populações locais, se queremos proteger de modo eficaz as espécies ameaçadas do mundo”, sustentou.
1ª foto: Tartaruga-estrelada-de-Madagáscar (Bernard Dupont)