É errado assumir-se que o uso de pesticidas à escala industrial é seguro, diz cientista do governo britânico
A suposição de que é seguro usarem-se pesticidas em quantidades industriais nas paisagens é falsa, avisou o cientista Ian Boyd, conselheiro científico principal do Ministério do Ambiente, Alimentação e Assuntos Rurais do governo britânico, num artigo publicado na conceituada revista científica Science.
O cientista e a sua colega Alice Milner defendem no artigo que a falta de qualquer limite na quantidade total de pesticidas usados e a virtual ausência de acompanhamento dos seus efeitos no ambiente significam que se podem passar anos até que os impactos se tornem aparentes.
“A atual suposição subjacente à regulamentação dos pesticidas – de que os químicos que passam uma bateria de testes efetuados em laboratório ou ensaios de campo são respeitadores do ambiente quando usados em escala industrial – é falsa”, escreveram os cientistas. “Os efeitos de se aplicarem químicos em paisagens inteiras têm sido amplamente ignorados pelos sistemas reguladores. Isto pode e deve ser mudado.”
Os cientistas dão como exemplo o Reino Unido, cujo sistema regulador, um dos mais desenvolvidos, deixa, no entanto, a desejar. “[O país] não tem qualquer acompanhamento sistemático dos resíduos dos pesticidas no ambiente. Não são considerados limites de segurança para os pesticidas à escala da paisagem.”
Embora a indústria dos pesticidas defenda que os seus produtos “estão entre os mais regulamentados no mundo”, são cada vez mais os artigos altamente críticos da sua atual utilização.
Em março deste ano, um relatório realizado por peritos em alimentação e poluição da ONU declarou que a ideia – defendida pela indústria agroquímica – de que os pesticidas são essenciais para alimentar a crescente população mundial é um mito, acusando os pesticidas de terem “impactos catastróficos no ambiente e na saúde humana” e os seus fabricantes de “negarem sistematicamente” os danos causados pelos seus produtos.
Um estudo divulgado um mês depois concluiu que as explorações agrícolas poderiam reduzir significativamente o uso de pesticidas e, ainda assim, continuar a produzir a mesma quantidade de alimentos. Outro trabalho de investigação, encomendado pelo Parlamento Europeu, defendeu que os resíduos de pesticidas nos alimentos que comemos podem causar danos no nosso cérebro.
No novo artigo da Science, Ian Boyd e Alice Milner defendem que a regulamentação dos pesticidas deveria aprender com o exemplo do controlo de medicamentos, para os quais existe uma monitorização global rigorosa depois de um produto ser aprovado para o caso de se verificarem efeitos secundários.
O uso generalizado de pesticidas como tratamentos preventivos, em vez de estes serem usados com moderação e apenas quando necessários, também é criticado pelos autores do artigo.
“Queremos iniciar um debate sobre a forma como podemos introduzir um programa de acompanhamento global para os pesticidas semelhante ao dos medicamentos. Poderão ser necessários vários anos para compreendermos plenamente o impacto ambiental”, disse Alice Milner ao jornal britânico The Guardian.
“Qualquer químico que se aplique no ambiente poderá ser amplamente distribuído. Sabemos disto há décadas, particularmente com o trabalho preliminar do princípio da década de 60 – a Primavera Silenciosa, o DDT e assim por diante – e podem-se encontrar químicos em lugares onde não foram aplicados por causa da conetividade dos ecossistemas. Existem, frequentemente, efeitos verdadeiramente inesperados e que não costumamos ver até os pesticidas serem usados em escalas mais industriais”, explicou a cientista.
“O fino véu da ciência em torno do processo de aprovação foi exposto e as estratégias de marketing são mais sólidas do que os produtos que promovem”, declarou Matt Shardlow, do grupo de conservação Buglife. “Se acha que os maiores governos estão na mão da indústria dos pesticidas, isso não é nada comparado com 35% dos países, que não dispõem de qualquer regulamentação.”
Keith Tyrell, da Pesticide Action Network, defende a necessidade de mudança. “Não sabemos como um pesticida afetará realmente o ambiente até ser tarde demais. Podem ser necessários vários anos até que se recolham provas científicas suficientes para persuadir as entidades reguladoras a agir, e serão travadas em cada etapa do caminho pelos fabricantes de pesticidas que ganham milhões com estes produtos.”