Os assustadores incêndios do dia 15 de outubro vividos de perto [relato]

Os assustadores incêndios do dia 15 de outubro vividos de perto [relato]

18 de Outubro, 2017 0

Tudo começou com uma ida, mais propriamente uma tentativa de ida, ao CineEco em Seia, onde queríamos assistir a um documentário no dia 15 de outubro.

Durante a viagem, fomos vendo vários incêndios ao longo do IC6 e posteriormente na N17. Quando estávamos a 20 minutos de Seia encontramos a GNR a barrar a estrada. Tentamos um novo percurso, mas mais uma vez encontramos a estrada cortada.
Partimos depois em direção a Oliveira do Hospital, pois pensamos que o mais correto seria despacharmo-nos, antes que fossemos impedidos de regressar a casa.

Quando já estávamos de volta ao IC6, encontramos alguns carros e um grupo de motards parados. Os GNR tinham fechado esta estrada, na qual tinha explodido uma bomba de gasolina. Informaram-nos que os acessos a Coimbra estavam todos cortados e que poderíamos tentar por Arganil. Em conversa com os motards, ficamos a saber que iam em direção a Coimbra e que tinham estado em Seia, onde o Museu do Pão tinha sido evacuado, antes de terem tempo de pagar o almoço. Esperamos um pouco sem saber o que fazer. Por cima do IC6, numa ponte, havia alguém que gritava e pedia ajuda para as pessoas, em casa, que precisavam de ser socorridas do fogo que se aproximava. Viemos depois a saber que era um lar de idosos.

Um dos GNR aproximou-se de nós a gritar, dizendo que tínhamos de ir embora e que não era seguro.
Os motards inverteram o sentido da marcha e nós seguimo-los. Paramos numa terra que nos disseram que se chamava “Catraia dos Poços”. Na rotunda, estavam várias viaturas estacionadas e pessoas fora dos carros que contemplavam os fogos que lá longe se iam aproximando, vindos do sul e oeste. Estacionamos e saímos também. Os moradores ofereceram-nos água, sumos e bolos e deixaram-nos carregar o telemóvel.

Todos os que se tinham juntado (residentes que fugiram de aldeias que já tinham sido apanhadas pelo fogo e pessoas que tentavam ir para Coimbra, Aveiro, etc.) assistiam ao espetáculo assustador dos incêndios vistos à noite. Debatia-se se o fogo chegaria àquela aldeia. A maioria achava que não.
O céu estava estrelado e, ao contrário do que acontece nas cidades, viam-se inúmeras constelações.

Começamos a ouvir o “rugir” do fogo que se aproximava cada vez mais. Fagulhas saltavam, lá longe, e, em 5 minutos, criavam novos focos devido ao vento forte que se fazia sentir (e ao facto de os eucaliptos serem altamente inflamáveis).

Decidimos ir jantar a um restaurante ali perto. O marido da proprietária e os empregados tinham ido entregar comida aos bombeiros que estavam a combater as chamas. Enquanto jantávamos, chegavam pessoas a pedir comida, cigarros e a perguntar se podiam usar o telefone fixo, ao que a proprietária respondia que, como era por fibra, não tinha telefone, nem televisão, nem nada.

Lá fora, no largo do estacionamento, as pessoas tentavam telefonar, mas ninguém tinha rede. Havia quem se empoleirasse em cima dos Ecopontos à procura de sinal. Alguém teve a ideia de subir alguns degraus num poste de eletricidade e de lá conseguiu ter rede. Aproveitamos todos para telefonar, utilizando o seu telemóvel, para “tranquilizar” os familiares em casa. Às horas certas (21h, 22h) aproveitávamos para ouvir as notícias no rádio do carro, o único meio de comunicação que tínhamos com o mundo exterior, e que acabava por não ser muito útil, pois os jornalistas apenas diziam o que já sabíamos: que o IP3 e a A1 estavam fechados, juntamente com outras 20 estradas, mas não discriminavam quais eram. Também não diziam o que as populações deviam fazer, nem as aldeias que deviam ser ou já tinham sido evacuadas.

Regressamos à aldeia Catraia dos Poços.

Não chegamos a ver um único bombeiro. As pessoas ficaram totalmente entregues a si, sem telefone, internet, sem saber o que fazer, que estradas estavam cortadas, etc. Uma sensação verdadeiramente assustadora…

De vez em quando a luz ia abaixo, mas acabava por regressar. Os carros passavam a grande velocidade e por pouco não atropelavam quem se juntava nas estradas para ver os incêndios a aproximarem-se. Vimos os fogos a engolir aldeias lá longe e a luz nessas aldeias a apagar. Chegaram, entretanto, pessoas a chorar e a gritar: “A minha casa!” ou “O meu irmão ficou na sua casa!” ou “Estamos todos f*!”. Uma mulher contou que telefonou para o número de emergência e que alguém a atendeu a chorar dizendo que já não tinham mais meios disponíveis e que deveria fugir para um sítio seguro. O vento estava muito forte e a chuva que tinha sido anunciada, nem vê-la… Os fogos viam-se em todas as direções para as quais olhássemos. Estávamos rodeados!

A certa altura, chegou um carro da GNR que avisou que tirássemos os automóveis da rotunda pois ia ficar um caos com as pessoas que vinham a fugir de S. Martinho da Cortiça, que tinha sido engolida pelo fogo. A GNR ficou no carro estacionado sem comunicar com a população sobre o que devia fazer quando o fogo chegasse.

Fomos convidados, assim como os motards, a passar a noite numa das casas da aldeia, que iria abrigar dezenas de pessoas.
Entretanto, começaram a cair fagulhas nas habitações pois os incêndios estavam já muito próximos.

O fogo chegou à aldeia e rodeou a primeira casa. De dentro as pessoas tentavam apagá-lo a partir das varandas. O som do incêndio que vinha da “floresta” e por trás das casas era ensurdecedor. De repente, o asfalto ficou quente (conseguíamos sentir o calor através do calçado) e uma quantidade enorme de fagulhas caía agora nas casas, carros e pessoas. “O que devíamos fazer? Ficar ou seguir caminho?” A tragédia de Pedrógão Grande, estava bem presente nas mentes de todos nós.

Os GNR ligaram o motor do carro e prepararam-se para abandonar a aldeia.
As pessoas, em pânico dentro das suas casas, ficaram entregues à sua sorte uma vez que não tinham um único bombeiro para as ajudar. Era por volta da uma da manhã.

Acenamos para parar o carro da GNR e perguntamos aos agentes, que tinham máscaras por causa do fumo, o que devíamos fazer, ao que responderam que fôssemos para Arganil pois já não era seguro ficarmos ali. Como o fumo ficava cada vez mais intenso, pedimos-lhes máscaras, mas só tinham para eles. Um rapaz num carro, no meio da chuva de fagulhas, contou-nos que tinha vindo de Arganil e que a estrada estava livre e deu-nos indicações de como chegar lá.

As fagulhas caíam sem parar. Perguntamos a uma família, que assistia àquele espetáculo assustador encostada ao carro, se ia seguir o conselho da GNR. Acabaram por dizer que sim e nós juntámo-nos a eles. Metemo-nos no carro, provavelmente no último minuto de fuga, e, sem conseguirmos apertar bem o cinto, começamos a fugir daquele incêndio que rugia, deixando os motards para trás na casa a esperarem o melhor e o pior…

Conduzimos cerca de meia hora na total escuridão, sem sabermos se teria sido a decisão certa, até chegarmos a Arganil e pararmos em frente ao quartel dos bombeiros.
Em Arganil, sentimo-nos finalmente em segurança. Dentro do carro, tentamos descansar um pouco de todo o pânico anterior. As pessoas e os automóveis concentravam-se à volta do quartel dos bombeiros.

Nunca chegamos a ter rede de telemóvel em Arganil. Tínhamos fome, mas à uma e meia da manhã não havia onde comprar nada. Fomos ao quartel dos bombeiros, onde, no interior, bombeiros e voluntários dividiam sandes, bolos, bolachas, garrafas de água e fruta que iriam entregar numa escola, que estava preparada para receber e albergar, durante a noite, quem fugia dos incêndios. Deram-nos sandes, água e fruta.

Por volta das das duas da manhã, uma mulher apareceu, desesperada, a pedir ajuda para um familiar seu que ficara para trás, numa das aldeias.

Partimos depois para a escola, onde passamos a noite. As pessoas dormiam em colchões de ginástica ou de yoga. Alguns com cobertor, outros sem, como nós, pois já não havia mais. A imagem das labaredas permanecia viva nas nossas mentes, mesmo quando fechávamos os olhos. Chegavam pessoas com cães que tinham trazido das suas casas para os salvarem do fogo. Lá fora, um casal, já com bastante idade, sentado e tapado com um cobertor, segurava num pastor alemão e num cãozinho mais pequeno. Chegou um homem com um penso na cara e uma t-shirt cheia de sangue. Contou que se tinha visto aflito para lá chegar (eram cerca das três da manhã) e que tinha visto um carro explodir e ser catapultado para o ar. Reencontramos uma mãe e o filho, que nos tinham oferecido água em Catraia dos Poços, que nos contaram que apenas uma casa tinha ardido totalmente (uma que estava devoluta) e que as pessoas estavam bem e ainda que o estacionamento do restaurante onde tínhamos jantado tinha ardido. Segundo nos disse o filho, a sua mãe tivera de ser forçada a abandonar a casa pela GNR.

No dia seguinte, 16 de outubro, os escuteiros ofereceram-nos um saco com o pequeno-almoço.
Lá fora, o ambiente estava tenso, já que havia vários incêndios à volta de Arganil que se estavam a aproximar da escola. Uma vez mais, o fogo estava a cercar-nos… Na vila, já estavam a pedir às pessoas para se juntarem no centro de Arganil para ficarem em segurança. Contaram-nos que o Mosteiro de Arganil e os seus terrenos tinham ardido. Disseram-nos também que as estradas à volta de Arganil estavam todas cortadas. Perguntamos se o IC6 e o IP3 estavam abertos e disseram-nos que sim. Uma menina da Cruz Vermelha, que ia para o IC6, convidou-nos a seguir caminho com ela.

Partimos e, quando estávamos mesmo a chegar ao IC6, os bombeiros não nos deixaram seguir pois estava tudo a arder. Um dos habitantes daquela zona contou-nos que havia uma outra estrada que estava aberta porque já tinha estado a arder. A viagem foi desoladora: árvores caídas, tudo queimado e negro, várias pedras na estrada e fumo de zonas que ainda ardiam, mas finalmente entramos no IC6, para depois apanharmos o IP3 e seguirmos viagem.

Algumas considerações do que devemos ter no carro para situações de emergência como esta:

  • Carregador do telemóvel que carregue no isqueiro do automóvel;
  • Bracelete ou outros objetos refletores, para a noite;
  • Máscara para proteção contra o fumo de incêndios;
  • Gotas para lavagem dos olhos;
  • Um cobertor;
  • Um pacote de bolachas;
  • Uma garrafa de água de 1,5Lt.

Algumas ideias do que se pode fazer diferente em Portugal:

  • Devem-se remover os eucaliptos à beira das estradas e das casas.
  • Deveria ser criado uma estação de rádio com atualizações ao minuto sobre os fogos, as estradas cortadas, aldeias evacuadas, informação sobre o que as populações deviam fazer.
  • Deveria haver mais comunicação entre a GNR e as populações locais.
  • Devia ser criado um plano de emergência para cada aldeia e vila e explicado às pessoas o que deviam fazer em caso de incêndio.
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