Agricultura biológica pode alimentar o mundo, se reduzirmos o desperdício alimentar e consumo de carne
Segundo um novo estudo publicado na revista científica Nature Communications, a agricultura biológica poderia alimentar a população mundial crescente se reduzíssemos a quantidade de alimentos desperdiçados e parássemos de usar tantas terras agrícolas para produzir alimentos destinados aos animais de pecuária.
Até 2050, espera-se que a população mundial alcance os 9,8 mil milhões, o que se traduz em 2 mil milhões de bocas adicionais para alimentar e na necessidade de se aumentar a produção agrícola em 50%, escreveram os autores do estudo. O desafio é exacerbado pela mudança dos padrões alimentares e o aumento da procura de carne, que pressionam ainda mais o ambiente.
“É, portanto, fundamental refrearem-se os impactos ambientais negativos da agricultura, ao mesmo tempo que se garante que a mesma quantidade de alimentos pode ser fornecida”, escreveram os investigadores.
São muitas as estratégias que têm sido sugeridas para se alcançar este objectivo, entre as quais o aumento da eficiência da produção e da utilização de recursos, a adoção de abordagens holísticas como a agroecologia e a produção biológica e a redução do consumo de produtos de origem animal e do desperdício alimentar.
“A agricultura biológica é uma sugestão concreta, mas controversa, de como se melhorar a sustentabilidade dos sistemas alimentares”, escreveram os autores do estudo. “Este tipo de agricultura abstém-se do uso de fertilizantes e pesticidas sintéticos, promove a rotação de culturas e incide na fertilidade do solo e em ciclos fechados de nutrientes.”
Como a agricultura biológica não utiliza pesticidas sintéticos, isto traduz-se num ambiente com menos químicos e em menos riscos para a biodiversidade de insetos, animais que desempenham um papel crítico para o funcionamento dos ecossistemas, como polinizadores e como uma importante fonte de alimento para as aves e outros pequenos animais.
Aplicação de pesticidas num campo | Foto: Zeynel Cebeci
Um dos principais argumentos contra a aposta na agricultura biológica é a diferença de produtividade: a ideia de que as culturas biológicas requerem mais terras porque a sua produtividade é inferior à das culturas convencionais, o que poderia resultar em mais desflorestação.
“Devido à diferença de produtividade, existem vozes opositoras que dizem que não é possível… (e) há apoiantes que dizem que esta diferença não é realmente importante e que poderia ser resolvida”, disse Adrian Müller, autor do estudo e cientista do Instituto de Investigação de Agricultura Biológica, na Suíça. “Queríamos encará-lo de uma perspetiva ao nível dos sistemas alimentares, porque achamos que considerar apenas a diferença de produtividade não é suficiente. É importante que se observe realmente a produção e o consumo juntos e ver o que a agricultura biológica pode contribuir a este nível.”
Para explorar mais a questão, Adrian Müller e os seus colegas desenvolveram modelos com base em dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), observando os efeitos que a transição para a agricultura biológica teria em diferentes cenários e tendo em conta fatores como a percentagem de desperdício alimentar e de culturas usadas para alimentar o gado em vez de pessoas, explica o Los Angeles Times.
A equipa de investigadores descobriu que as necessidades da população mundial poderiam ser inteiramente satisfeitas por uma agricultura exclusivamente biológica, se se reduzisse em metade o desperdício alimentar e se se parasse a produção de alimentação animal em terras que poderiam ser usadas para cultivar alimentos para os seres humanos.
Porém, isto reduziria consideravelmente a quantidade de gado e, consequentemente, o consumo de carne, algo que não agradaria a todos.
Adrian Müller sugere um compromisso mais praticável: fazer com que as culturas biológicas perfaçam cerca de 50% de todas as culturas e reduzir em metade tanto o desperdício alimentar como as terras agrícolas usadas para produzir alimentação animal.
“Precisamos de utilizar todas as estratégias possíveis de que dispomos, sem apoiar um extremo e descartar outras abordagens”, declarou. “Acho que estamos a caminhar na direção certa e, como um otimista, acho que, sim, de alguma forma, vai funcionar.”