“O lugar da pecuária intensiva é num museu”: devíamos reformar o sistema alimentar, diz ativista
Se rejeitássemos os sistemas de produção pecuária intensiva, que estão a colocar em risco a biodiversidade e a vida selvagem em várias regiões do planeta, teríamos capacidade para alimentar mais 4 mil milhões de pessoas por ano, defendeu Philip Lymbery, ativista da campanha global Stop the Machine.
Segundo Lymbery, atualmente, 35% da colheita mundial de cereais e a maioria da farinha de soja são dadas como alimento aos animais de criação intensiva, o que é “uma prática esbanjadora e ineficiente”, dado que estes animais contribuem com muito menos – na forma de leite, ovos e carne – do que aquilo que consomem.
Usando valores da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), o ativista calculou que a colheita total de 2014 proporcionou calorias suficientes para alimentar mais de 15 mil milhões de pessoas (atualmente, a população mundial ronda os 7,6 mil milhões). No entanto, muito disto acabou por ser desperdiçado ou direcionado para a indústria de alimentação animal.
“A indústria alimentar parece ter sido sequestrada pela indústria de alimentos para animais”, declarou o ativista.
Impacto na Vida Selvagem
“Há dez mil anos, os seres humanos e o nosso gado representavam cerca de 0,1% dos grandes vertebrados do mundo”, disse o antigo diretor da organização Friends of the Earth, Tony Juniper, ao The Guardian. “Agora perfazemos cerca de 96%. Este é um debate oportuno e necessário, e uma questão que está a ser cada vez mais discutida.”
A expansão da agricultura e a produção agrícola industrial são responsáveis por colocar a vida selvagem em perigo. Em países da América do Sul, como o Brasil, a Bolívia e o Peru, é comum a desflorestação de áreas de floresta, mesmo em plena Amazónia, para a sua conversão em pastagens ou em plantações de soja, que se destinam a produzir alimento para o gado. Esta destruição de habitat está a afetar as espécies nativas ameaçadas, como o jaguar, o urso-formigueiro-gigante e a preguiça.
Na Ásia, o elefante-de-samatra tem sofrido severamente com o impacto da crescente indústria de óleo de palma: mais de metade do seu habitat foi destruído para se criarem plantações de palmeiras e os números destes elefantes estão a cair rapidamente. A mesma história poderia ser contada relativamente aos orangotangos-do-bornéu.
Nos últimos anos, os países em desenvolvimento têm assistido à expansão significativa da agricultura. De acordo com a organização Land Matrix, a nível mundial, foram adquiridos 40 milhões de hectares para fins agrícolas só na última década e meia, sendo que quase metade dessas aquisições ocorreu em África.
A desflorestação na Costa do Marfim | Foto: Mighty Earth
”Uma prática que pertence a um museu”
Philip Lymbery defende que devolver o gado às pastagens, assim como manter os porcos e as aves de criação no exterior, onde podem procurar comida, e suplementar isso com resíduos alimentares, é muito mais saudável e eficiente.
As opiniões expressas pelo ativista não são partilhadas por todos. Um representante da União Nacional de Agricultores do Reino Unido defendeu que “o uso de cereais pelos produtores de gado é apenas uma parte de um conjunto diverso de opções alimentares para os animais. Os cereais usados nas explorações pecuárias são uma forma eficaz e sustentável de usar produtos que, de outra forma, seriam desperdiçados, uma vez que não alcançam o padrão para o consumo humano”.
Em maio, mais de 200 cientistas e peritos em definição de políticas assinaram uma carta que pedia aos candidatos a diretor-geral da Organização Mundial da Saúde que reconhecessem que a produção pecuária intensiva representa uma séria ameaça para os seres humanos e para o ambiente.
Na carta lia-se que as “práticas como o uso indiscriminado de antibióticos, o confinamento rigoroso dos animais e a escala insustentavelmente elevada da produção se tornaram a norma na indústria e cada uma tem consequências graves para a saúde humana”.
A exposição da campanha Stop the Machine decorreu no Museu de História Natural, em Londres, o que, para Lymbery, não poderia ser mais apropriado. “O Museu de História Natural é o sítio certo para se realizar esta exposição porque a produção pecuária intensiva pertence a um museu”, disse.
1ª Foto: Otwarte Klatki