Solo saudável e fértil é a verdadeira chave para se alimentar o mundo
A chave para uma agricultura altamente produtiva reside na recuperação da saúde e fertilidade do solo. Esta é a conclusão a que chegou David R. Montgomery, professor de Ciências da Terra e do Espaço da Universidade de Washington, após uma viagem de seis meses pelo mundo, visitando explorações agrícolas em vários países, incluindo a Costa Rica, o Gana e os EUA.
Os agricultores que conheceu mostraram-lhe que as práticas agrícolas regenerativas conseguem restaurar a fertilidade dos solos degradados, o que, por sua vez, lhes permite garantir uma alta produtividade, utilizando menos fertilizantes e pesticidas.
“Esta viagem também me levou a questionar três pilares da sabedoria convencional sobre a agricultura agroquímica industrializada de hoje em dia: a convicção de que alimenta o mundo, de que é uma forma mais eficiente de produzir alimentos e de que será necessária para alimentar o futuro”, escreveu o professor e autor do livro “Growing a Revolution: Bringing Our Soil Back to Life”.
Num artigo publicado no site The Conversation, David Montgomery tentou desmistificar estas convicções.
Mito nº 1: A agricultura em grande escala alimenta o mundo hoje em dia
Citando dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), Montgomery revelou que as explorações agrícolas familiares produzem mais de ¾ de toda a comida do mundo e que quase ¾ de todas as explorações agrícolas do mundo têm menos de um hectare.
“Apenas cerca de 1% dos americanos são atualmente agricultores”, disse o professor. “Todavia, a maioria dos agricultores do mundo trabalha a terra para se alimentar a si e à sua família. Portanto, embora a agricultura industrializada convencional alimente o mundo desenvolvido, a maioria dos agricultores do mundo trabalha em pequenas explorações agrícolas familiares”, disse.
Segundo um relatório de 2016 do Environmental Working Group (EWG), quase 90% das exportações agrícolas dos EUA tiveram como destino os países desenvolvidos, onde “há poucas pessoas a passar fome”.
“Claro que o mundo precisa da agricultura comercial, a menos que todos nós queiramos cultivar as nossas próprias quintas. Mas serão as grandes explorações agrícolas industriais mesmo o melhor – para não falar do único – caminho a seguir? Esta questão remete-nos a um segundo mito.”
Foto: Matthias Ripp/Flickr
Mito nº 2: As explorações agrícolas de grandes dimensões são mais eficientes
Embora a mecanização possa proporcionar eficiências em termos de custos e trabalho em explorações grandes, as explorações de maiores dimensões não produzem necessariamente mais alimentos, diz o professor.
Um relatório realizado em 1992 concluiu que as pequenas explorações agrícolas diversificadas produzem, por acre, mais do que o dobro dos alimentos produzidos pelas explorações de grandes dimensões.
De acordo com um estudo do Conselho Nacional de Pesquisa dos EUA, realizado em 1989, “os sistemas agrícolas alternativos bem geridos utilizam quase sempre menos fertilizantes, antibióticos e pesticidas químicos sintéticos por unidade de produção do que as explorações convencionais”.
“Até o Banco Mundial reconhece que as pequenas explorações são a forma de se aumentar a produção agrícola nos países em desenvolvimento, onde a segurança alimentar continua a ser uma questão premente”, comentou David Montgomery. “Embora as grandes explorações agrícolas se destaquem no que toca a produzir muito de uma cultura específica – como o milho ou o trigo – as pequenas quintas diversificadas produzem mais comida e mais tipos de alimentos por hectare, em geral.”
O escritor também nos lembra de que a agricultura biológica não é inerentemente sustentável, explicando que este é um dos maiores mitos modernos sobre a agricultura.
A agricultura biológica pode ser sustentável, mas não tem necessariamente de o ser, disse, dando-nos como exemplo o Império Romano e outras sociedades antigas, que não utilizavam químicos e foram muito afetadas pelo problema da erosão do solo nos seus campos.
Mito nº 3: A Agricultura convencional é necessária para alimentar o mundo
“Já todos ouvimos os proponentes da agricultura convencional afirmar que a agricultura biológica é a receita para a fome global porque é menos produtiva.”
Em 2015, uma análise de 115 estudos constatou que a produtividade da agricultura biológica era, em média, quase 20% inferior à da convencional.
“Mas o estudo foi um passo além, comparando a produção agrícola de explorações convencionais à de explorações biológicas onde eram plantadas culturas de cobertura e onde as culturas eram alternadas de forma a restaurar a saúde do solo”, explica David Montgomery. “Estas técnicas reduziram a diferença de produtividade para menos de 10%.”
Os autores da metanálise concluíram que a verdadeira diferença de produtividade poderá ser ainda menor, uma vez que encontraram “indícios de parcialidade na base de dados”.
“Por outras palavras, a base para as alegações de que a agricultura biológica não consegue alimentar o mundo depende tanto de métodos agrícolas específicos como do tipo de exploração agrícola.”
O escritor recorda-nos ainda de que cerca de um quarto de todos os alimentos produzidos no mundo nunca chegam a ser comidos.
“Todos os anos, só os Estados Unidos deitam fora 60 milhões de toneladas de comida, mais do que o suficiente para alimentar os quase 50 milhões de americanos que passam fome regularmente. Por isso, (…) a muito citada diferença de produtividade entre a agricultura convencional e a biológica é menor do que a quantidade de comida que deitamos, sistematicamente, fora.”
Promover a saúde do solo
“As práticas agrícolas convencionais que degradam o solo comprometem a capacidade da humanidade de continuar a alimentar todas as pessoas, a longo prazo”, defendeu.
“Já não vejo os debates sobre o futuro da agricultura meramente como convencional vs. biológica. Do meu ponto de vista, simplificamos demasiado a complexidade da terra e subutilizamos o engenho dos agricultores. Vejo agora a adoção de práticas agrícolas que promovem a saúde do solo como a chave para uma agricultura estável e resiliente. E os agricultores que eu visitei tinham decifrado este código, adaptando métodos de mobilização nula [sementeira direta], culturas de cobertura e rotações complexas ao seu solo e às suas condições ambientais e socioeconómicas.”
“Quer fossem biológicas ou ainda usassem alguns fertilizantes e pesticidas, as explorações agrícolas que visitei que adotaram este conjunto transformador de práticas registaram colheitas que consistentemente igualaram ou superaram as das explorações convencionais vizinhas, após um curto período de transição.”
“Os agricultores que restauraram o seu solo usavam menos insumos para produzir maiores colheitas, o que se traduziu em lucros mais elevados.”
“Podemos ter a certeza de que a agricultura sofrerá, em breve, outra revolução”, predisse Montgomery, apontando como exemplo a dependência dos combustíveis fósseis. “As nossas fontes de abastecimento de petróleo barato não durarão para sempre.”
Para acelerar a adoção de “uma agricultura mais resiliente”, o autor sugere a criação de explorações agrícolas modelo e a realização de trabalhos de investigação de forma a avaliar o que funciona melhor para adaptar práticas específicas a princípios gerais em cenários diferentes.
“Também precisamos de reformular as nossas políticas e subsídios agrícolas. Não faz qualquer sentido que se continuem a incentivar práticas convencionais que degradam a fertilidade do solo. Temos de começar a apoiar e a recompensar os agricultores que adotam práticas regenerativas.”
“Quando os mitos da agricultura moderna deixarem de nos iludir, as práticas que promovem a saúde do solo tornar-se-ão a lente através da qual avaliaremos as estratégias para nos alimentarmos a todos, a longo prazo”, defendeu o professor.
1ª foto: Catherine Ulitsky, USDA/Flickr