Procura por peles de burro na China leva ao declínio destes animais no mundo
Em muitos países africanos, as populações de burros têm sofrido declínios drásticos nos últimos anos. A população de burros do Quénia, por exemplo, perdeu metade dos seus animais desde 2009. No Botswana, o declínio foi de 60%, entre 2011 e 2016, e no Lesoto de um quinto.
Qual é a principal causa deste fenómeno? A crescente procura das peles destes animais na China, onde são usadas para produzir ejiao, uma gelatina consumida no país há milénios e usada na medicina tradicional chinesa por se acreditar que cura toda uma variedade de problemas de saúde – como a insónia e a anemia – e que até previne o cancro.
Com a ascensão da classe média chinesa, a procura deste produto tem aumentado e a gelatina, outrora de consumo mais modesto, também aparece agora em cremes faciais, doces e licores, para além das diversas preparações medicinais.
Ao mesmo tempo, com o êxodo rural, passaram a ser utilizados menos burros na agricultura e transporte. Estes fatores fizeram com que o número destes animais na China caísse mais de 40% entre 1990 e 2016.
O país asiático necessita de aproximadamente 4 milhões de peles de burro por ano para produzir 5000 toneladas de ejiao, mas a oferta chinesa não vai além de 1,8 milhões de peles, o que deixa os fabricantes da gelatina muito dependentes de importações.
Gelatina de pele de burro, “ejiao” | Foto: Deadkid dk
Há quem produza “falso” ejiao com a pele de outros animais, como porcos, cavalos e vacas. Contudo, para garantir que o ejiao é genuíno, alguns fabricantes fazem agora testes de ADN ao produto, segundo o The Economist.
A outra opção é importar as peles do estrangeiro. E é isso que o país tem feito. Embora importe principalmente de África, este comércio verifica-se um pouco por todo o mundo. No Quirguistão e na Índia, as populações de burros sofreram um declínio de um quinto, durante 2015 e 2016.
A procura de ejiao vai mais longe e chega a alcançar a América do Sul. A Colômbia perdeu quase um décimo dos seus burros e o Brasil cerca de 5%, também durante 2015 e 2016.
Os burros passaram a valer mais mortos do que vivos
Em menos de uma década, a procura de peles de burro inflacionou os preços destes animais, colocando-os fora do alcance dos pequenos agricultores. No Quénia, por exemplo, o preço de um burro aumentou 325% num período de seis meses, no ano passado.
A tentação do lucro rápido e os preços em ascensão têm levado a uma explosão de roubos de burros. No Quénia, registaram-se quase 1000 casos de animais roubados entre dezembro de 2016 e abril de 2017.
Philemon Sibaya, um agricultor de subsistência da África do Sul que possuía um negócio informal de transporte com estes animais, perdeu os seus burros durante o mês de novembro de 2016. “Nessa manhã, não os consegui encontrar”, contou ao The Guardian.
Umas semanas antes, um homem de nacionalidade chinesa tinha visitado a sua aldeia, à procura de burros para comprar. Sibaya recusou-se a vendê-los. “Os meus burros colocam comida na mesa. Construíram esta casa e põem os meus filhos na escola.”
O agricultor acabou por encontrar os cadáveres dos seus burros – só um não tinha sido esfolado. “Não há nada que eu possa fazer a não ser aceitar a situação”, disse. “Não posso trazer os meus burros de volta.”
“Temos assistido a muitos casos como este”, comentou Mishack Matlou, inspetor da Sociedade para a Prevenção de Crueldade Contra Animais. Alguns meses antes, o inspetor tinha resgatado dois adolescentes que estavam a esfolar burros numa aldeia vizinha, provocando a ira da comunidade que os queria matar. “Esta é uma área pobre e eles precisavam do dinheiro. Alguém lhes ofereceu 29 euros pelo trabalho”, disse.
Em resposta a este problema, cerca de 15 países decidiram tomar medidas para controlar o comércio de burros. Em 2015, o Paquistão tornou-se o primeiro país a proibir a exportação de peles de burro. Vários países africanos – entre os quais o Botswana, Burkina Faso, Mali, Níger, Nigéria, Senegal, Gana, Tanzânia e o Uganda – também proibiram a exportação deste produto para a China.
Mas o mercado negro continua a abastecer ilegalmente as fábricas chinesas. “Ainda estamos a ver exportações ilícitas de todos os países que tomaram uma posição contra a venda de peles de burro”, explicou Alex Mayers, da organização britânica Donkey Sanctuary. “Não há hipótese nenhuma de sustentar os atuais níveis de procura”.
Outros países abraçaram a oportunidade de investimento – o Quénia abriu três matadouros no espaço de 18 meses e a Namíbia tem planos para construir dois. Ao mesmo tempo, também se está a assistir à multiplicação de instalações de abate não regulamentadas em África, na Ásia e na América do Sul.
Apesar de organizações como a Donkey Sanctuary e a PETA terem apelado ao fim deste comércio, o governo chinês deu um novo impulso à indústria de ejiao, em janeiro, ao reduzir os direitos de importação de peles de burro de 5% para 2%. Em novembro de 2017, a PETA divulgou um vídeo que mostra o abate dos burros nas quintas chinesas, onde são espancados com recurso a martelos.