Rios do mundo contaminados com os resíduos dos medicamentos que tomamos
Com o crescimento da população mundial, o consumo de medicamentos tornou-se uma ameaça emergente para os ecossistemas de água doce do mundo, já que estes compostos são “amplamente ignorados” pelas estações de tratamento de águas residuais (ETAR).
Uma equipa de investigadores avisou, recentemente, que se não forem tomadas medidas para minimizar este fluxo, a quantidade de resíduos farmacêuticos a entrar nos cursos de água poderá sofrer um aumento de 65% até 2050, comprometendo a saúde dos peixes e outros organismos aquáticos.
“Uma grande parte dos ecossistemas de água doce poderá estar ameaçada pela elevada concentração de fármacos”, disse Francesco Bregoli, investigador do Instituto UNESCO-IHE de Educação relativa à Água, em Delft, na Holanda.
Um grande número dos fármacos encontrados no ambiente – analgésicos, antibióticos, antiplaquetários, hormonas, medicamentos psiquiátricos, anti-histamínicos – foram detetados na natureza em níveis perigosos para a vida selvagem.
Os desreguladores endócrinos, por exemplo, já induziram mudanças de sexo em peixes e anfíbios.
Bregoli e a sua equipa desenvolveram um modelo para identificar os pontos críticos da poluição por medicamentos, analisando o consumo global de diclofenac – um anti-inflamatório comum usado por milhões de pessoas no mundo – e a sua presença nos ecossistemas de água doce.
Tanto a União Europeia como a Agência de Proteção Ambiental dos EUA identificaram o diclofenac como uma ameaça ambiental. O seu uso veterinário, por exemplo, foi responsável pelo dramático declínio dos abutres do subcontinente indiano, que quase os levou à extinção.
Os cientistas descobriram que há mais de 10 mil quilómetros de rios em todo o mundo com concentrações deste medicamento acima do limite estabelecido pela UE (100 nanogramas por litro).
“As emissões de diclofenac são semelhantes às de milhares de fármacos e produtos de cuidado pessoal”, disse Francesco Bregoli.
Francesco Bregoli et al.
O consumo de diclofenac atinge as 2400 toneladas por ano. Várias centenas de toneladas permanecem nos dejetos humanos e apenas uma pequena percentagem – cerca de 7% – é removida pelas ETAR. Outros 20% são absorvidos pelos ecossistemas naturais e o restante encaminha-se para os oceanos.
Os investigadores acreditam que os níveis de poluição deverão ser mais elevados na América Latina, em África e na Ásia, onde (em média) menos de um quarto das águas residuais são tratadas e, mesmo quando o são, são utilizadas tecnologias incapazes de remover a maioria dos fármacos.
Francesco Bregoli et al.
Segundo um estudo do Programa das Nações Unidas para o Ambiente, os resíduos de antibióticos e químicos também estão a impulsionar a evolução de bactérias resistentes aos medicamentos. A agência da ONU avisou ainda que entre 70 e 80% de todos os antibióticos consumidos pelos seres humanos e animais de criação regressam ao ambiente através das suas fezes.
Bregoli explicou que a solução para este problema não pode depender apenas dos avanços nos processos de tratamento das águas residuais.
“Precisamos de uma redução substancial no consumo”, disse. “Descobrimos que apenas avanços tecnológicos não chegarão sequer a ser suficientes para se recuperar dos atuais níveis de concentração. Se não se efetuar uma redução substancial do consumo, uma grande parte dos ecossistemas fluviais do mundo não ficará suficientemente protegida.”