Frango com plástico a acompanhar? Cientistas descobrem microplásticos em galinhas
Um estudo pioneiro a nível mundial revelou que os microplásticos também já invadiram a cadeia alimentar terrestre.
Os microplásticos têm sido descobertos nos solos em várias partes do mundo. Como são tão pequenos (< 5 mm), são difíceis de detetar e os animais que se alimentam da vegetação, de sementes ou de microrganismos no solo ingerem-nos acidentalmente. As partículas de plástico vão-se acumulando no seu corpo e entram na cadeia alimentar, passando de animal para animal até chegarem aos pratos dos seres humanos.
O estudo, realizado por cientistas mexicanos e holandeses no México, mostrou que os microplásticos no solo são consumidos por minhocas e pelos frangos e galinhas criados nas hortas domésticas para consumo humano.
Os investigadores encontraram dezenas de microplásticos no papo e nas moelas das galinhas e calcularam que isto se traduziria na ingestão anual de 840 partículas de plástico por pessoa. Segundo eles, limpar minuciosamente as moelas não garante a remoção de todos os resíduos químicos e plásticos, uma vez que estes últimos são tão pequenos que são difíceis de ver a olho nu.
Em entrevista à Agência Conacyt, a cientista Esperanza Huerta, autora do estudo, explicou como os microplásticos vão parar ao solo e aos nossos pratos.
“O plástico e os microplásticos chegam ao solo principalmente por três motivos: porque não há uma gestão adequada dos resíduos e as pessoas queimam o lixo; porque os sistemas agrícolas utilizam plásticos para cobertura (que são enormes mantas de plástico com as quais cobrem as culturas) e o plástico fica acumulado no solo; e quando se utilizam águas residuais para irrigação, pois os processos de filtração destas águas não conseguem remover os plásticos de tamanhos diminutos”, contou Esperanza Huerta.
Microplásticos | Foto: Peter Kershaw/GESAMP
A presença de microplásticos nos terrenos leva à sua ingestão por parte dos macroinvertebrados do solo. “Em estudos realizados em conjunto com a Universidade de Wageningen descobrimos que os invertebrados do solo, como as minhocas, perdem peso depois de ingerirem o plástico e morrem se as concentrações são muito elevadas. Estes organismos são fundamentais para manter a fertilidade do solo e a sua morte afeta a saúde dos solos onde diversas plantas crescem”, explicou a cientista.
A microflora muda quando há plástico no solo, o que, por sua vez, também afeta os macroinvertebrados que se alimentam dela. “Além disso, os microplásticos têm aditivos e não sabemos ainda que efeitos têm estes aditivos nas minhocas. Nos sistemas aquáticos, já se observou que estes aditivos são nocivos para os organismos que habitam na água. São muitos os fenómenos que se originam com a presença de microplásticos no solo e, todavia, ainda há muito por investigar”, confessou.
Os investigadores encontraram um máximo de 130 partículas de plástico por grama de excremento de minhocas nas hortas familiares mexicanas.
“O facto de as pessoas queimarem o lixo faz com que elas mesmas contaminem os seus próprios solos e o ambiente, já que o plástico não desaparece, só se fragmenta em pequenos pedaços”, contou. “[O plástico] é então ingerido por minhocas e galinhas. Depois as galinhas são ingeridas pelos seres humanos e este é um problema sério, porque estamos a falar de uma alta probabilidade de contaminação com plástico no ser humano.”
Plásticos para cobertura de solos
“Por outro lado, o plástico também é transportado no solo de maneira vertical, através dos túneis que as minhocas fazem. Isto gera o risco de que, com a chuva, este plástico seja arrastado para as camadas mais profundas do solo e para o aquífero”, alertou Esperanza.
“Há muito que não sabemos ainda; em diferentes espaços agrícolas do México usam-se os plásticos para cobertura de solos e cá, como na China, estes plásticos são abandonados e integram-se no solo.”
A cientista disse que o El Colegio de la Frontera Sur, a Universidade de Wageningen e o Instituto de Ecologia da Holanda estão a tentar encontrar soluções e técnicas para limpar o solo de microplásticos, tendo já publicado um estudo que mostra como bactérias isoladas de minhocas podem degradar o plástico.
“Estamos na etapa de encontrar financiamento para poder desenvolver a tecnologia. Mas não é só a tecnologia, uma vez que as pessoas estejam mais conscientes do problema da contaminação do plástico no solo, poderemos, em conjunto, investigadores e cidadãos, encontrar soluções”, propôs.
“Por um lado, as pessoas que utilizam plástico podem reduzir o consumo deste material; os produtores de plástico podem procurar alternativas e começar a trabalhar com plástico biodegradável, mas realmente biodegradável; o governo pode promover centros de recolha dos resíduos e reciclar realmente os resíduos; o sector agrícola pode diminuir o uso de plástico ou procurar alternativas feitas de outros materiais não contaminantes; e, claro, as pessoas podem deixar de queimar o lixo. É um trabalho conjunto.”