Zimbabwe: Crianças “sacrificam saúde e educação” para trabalhar em plantações de tabaco
Um relatório novo da organização Human Rights Watch (HRW) revelou que há crianças com apenas 11 anos a trabalhar em condições perigosas nas plantações de tabaco do Zimbabwe, realizando tarefas que ameaçam a sua saúde e segurança ou interferem com a sua educação.
As crianças estão expostas a pesticidas tóxicos e à nicotina e muitas exibem sintomas – como náuseas e vómitos – consistentes com o envenenamento agudo por nicotina, que ocorre quando a nicotina é absorvida pela pele durante o manuseamento do tabaco.
Davidzo, de 15 anos, foi uma das 125 pessoas entrevistadas pela equipa da HRW. “No primeiro dia em que comecei a trabalhar com o tabaco, vomitei”, disse, explicando que se sentia especialmente doente quando carregava as folhas de tabaco. “Comecei a sentir-me como se estivesse a rodar. Desde que comecei este [trabalho], tenho sempre dores de cabeça e tonturas.”
Os efeitos a longo prazo da intoxicação aguda com nicotina ainda não foram estudados, mas estudos sobre tabagismo sugerem que a exposição à nicotina durante a infância e a adolescência pode afetar o desenvolvimento do cérebro.
“O governo do Zimbabwe precisa de tomar medidas urgentes para proteger os trabalhadores das plantações de tabaco”, disse Margaret Wurth, investigadora da HRW e coautora do relatório. “As empresas que adquirem tabaco do Zimbabué deviam garantir que não estão a comprar um produto produzida por crianças trabalhadoras que sacrificam a sua saúde e educação.”
A organização também alertou que os trabalhadores adultos das plantações estão expostos a sérios riscos para a sua saúde e à exploração dos seus direitos laborais.
A maioria do tabaco do Zimbabwe é produzido nas quatro províncias em destaque | Mapa: Human Rights Watch
O Zimbabwe é o sexto maior produtor de tabaco do mundo e fornece este produto a algumas das maiores empresas multinacionais deste sector, como a British American Tobacco (produtora das marcas Dunhill, Lucky Strike, Pall Mall, entre outras), a Japan Tobacco Group (fabricante das marcas Camel e Benson & Hedges, entre outras) e a Imperial Brands (que produz os cigarros Davidoff e Gauloises Blondes, entre outros).
De acordo com as leis zimbabuenses, a idade mínima de admissão ao trabalho é de 16 anos e os menores de 18 não podem realizar trabalhos perigosos. O Ministério do Trabalho do país disse à HRW que não tinha registado quaisquer casos de trabalho infantil na indústria do tabaco.
Os investigadores da HRW também descobriram que o governo e as empresas não oferecem aos seus trabalhadores equipamento de proteção e informações suficientes para que estes se protejam da intoxicação com nicotina e da exposição aos pesticidas.
“Pegamos no químico e deitamo-lo na água”, contou Mercy, trabalhadora com apenas 12 anos. “Pomos o pulverizador às costas e começamos a pulverizar. Apetece-me vomitar porque o químico cheira tão mal.”
Rufaro, de 15 anos, explicou que “de cada vez que eles pulverizam, há pessoas que vão para casa doentes”.
“As pessoas que entrevistamos ficaram chocadas quando ouviram que trabalhar com tabaco é assim tão perigoso e mostraram-se ansiosas para aprender a protegerem-se, assim como aos seus filhos e aos seus trabalhadores”, disse Margaret Wurth.
Joseph, um professor local da província de Mashonaland Ocidental, contou à HRW que os seus alunos faltam às aulas para irem trabalhar nas plantações de tabaco. “Causa muito absentismo. Vemos que estas crianças começam a faltar desde o início da época de cultivo de tabaco […] e que, dos 63 dias de cada período escolar, só vêm 15 a 24 dias”, afirmou.
Anne, de 36 anos, trabalha numa destas plantações e é mãe de três crianças trabalhadoras. “Espero que os meus filhos voltem para a escola e se tornem pessoas melhores porque não podem fazer isso na produção de tabaco. A produção de tabaco é uma atividade muito difícil. Faz-nos ficar velhos antes do tempo”, disse.
“A forma como estou a crescer não é um bom ponto de partida”, desabafou Prosper, de 13 anos.
A equipa descobriu ainda que alguns trabalhadores das grandes explorações de tabaco trabalhavam um número excessivo de horas sem que lhes fossem pagas horas extraordinárias e que passavam semanas ou mesmo meses sem receberem os seus salários.
1ª foto: Siphiwe Sibeko/REUTERS