É hora de repensarmos os relvados nas cidades e nos quintais, dizem cientistas
Os benefícios naturais dos relvados são de longe ultrapassados pelos seus efeitos negativos no ambiente, sendo, por isso, necessário explorarem-se alternativas, defenderam dois ecólogos num artigo publicado na prestigiada revista Science.
Embora deem cor ao meio urbano e um ar convidativo aos jardins, parques e outros espaços de lazer, estes “tapetes” de relva cortada não são tão verdes como parecem. Os relvados modernos consomem não só muita água, mas também fertilizantes. Para além disso, precisam de ser cortados frequentemente, sendo para isso usados, em muitos casos, corta-relvas a gasolina, que libertam poluentes para a atmosfera.
“Na Suécia, 52% das zonas verdes urbanas são relvados. Nos Estados Unidos, os relvados cobrem 1,9% da área terrestre do país e a relva é a maior cultura não alimentar irrigada”, escreveram os ecólogos Maria Ignatieva e Marcus Hedblom.
Os cientistas estimaram que, a nível global, os relvados ocupem entre 0,15 e 0,80 milhões de km2, ou uma área maior do que a Inglaterra e Espanha juntas.
“Em regiões áridas dos Estados Unidos, a irrigação dos relvados representa 75% do consumo doméstico anual de água”, explicam os cientistas. “Em Perth, na Austrália, o volume anual de águas subterrâneas usado para a irrigação de espaços verdes públicos é de 73 gigalitros (Gl) e de 72 Gl adicionais a partir de furos ilegais em quintais para a irrigação de relvados privados.”
Outro dos motivos de preocupação é a contaminação das águas subterrâneas ou das águas de escoamento devido à utilização excessiva de fertilizantes, herbicidas e pesticidas. Só em 2012, o sector Casa e Jardim dos EUA utilizou 27 milhões de quilogramas de pesticidas.
A relva artificial ou sintética também não é a solução. “A substituição de zonas verdes degradadas por relvados de plástico elimina a verdadeira natureza das cidades e diminui a sua sustentabilidade geral, já que estes reduzem o número de habitats e de organismos do solo, poluem as águas de escoamento superficial e podem até ter consequências negativas desconhecidas para a saúde humana, através das partículas de plástico”, defenderam os autores do artigo.
A estes aspetos negativos, junta-se ainda o da contribuição dos relvados para a homogeneização ecológica urbana.
“Da grande variedade dos géneros da relva, apenas um número limitado de espécies é selecionado para os relvados. Nos países de clima frio, a Festuca rubra, Lolium perenne, Poa pratensis, e a Agrostis spp. são as plantas mais utilizadas, e nos países quentes a Cynodon dactylon, Paspalum spp., Stenotaphrum secundatum, e Zoysia japonica são as espécies dominantes. Em muitas regiões, as ervas do relvado estão a tornar-se invasoras.”
Pesados estes fatores, os investigadores sugerem que é chegada a altura de o mundo repensar a ideia do relvado. Algumas comunidades já o começaram a fazer, substituindo-o por prados naturais. É o que aconteceu, por exemplo, na cidade inglesa de Kingston upon Hull, que decidiu plantar flores silvestres em cerca de 16 mil metros quadrados de terra.
Um “relvado” alternativo com plantas nativas, na Universidade Sueca de Ciências Agrícolas, em Uppsala | Foto: Maria Ignatieva
Em Kingston upon Hull, os separadores centrais e as bermas de muitas estradas estão cobertos de flores silvestres.
Noutros sítios, por exemplo, no Parque Natural de Südgelände, em Berlim, algumas secções da paisagem puderam tornar-se “selvagens” e foram colonizadas por vegetação espontânea.
Os ecólogos sugerem que a investigação de diferentes tipos de plantas poderá ajudar a criar “tapetes” densos, diversos e de baixa manutenção, que não precisem de muita água para sobreviver e que possam ser usados para fins recreativos.
Para além da investigação das plantas apropriadas, Maria Ignatieva e Marcus Hedblom defendem que se deve “ir além dos princípios teóricos” e levar em consideração as condições geográficas, culturais e sociais de cada país, aquando do desenvolvimento de um relvado alternativo.
Um dos desafios cruciais consiste em saber como acelerar a aceitação de alternativas sustentáveis por parte do público e a adoção de uma nova estética da vegetação no planeamento e design urbanos.
“A criação de uma nova norma ecológica requer demonstrações, a educação do público e a introdução de soluções ‘conciliatórias’ de design. Por exemplo, uma faixa de relvado convencional pode emoldurar um prado ou outro tipo de vegetação ‘selvagem’”, sugeriram. “A utilização de cores como o cinzento, prateado, amarelo e até castanho nos relvados alternativos pode dar uma sensação da natureza real.”