Terá a COVID-19 repercussões semelhantes ao 11 de setembro?
Tendo a fase de pandemia que atravessamos, gostaria de partilhar algumas considerações em relação aos impacto sociais desta, a longo prazo.
A COVID-19 obriga os governos a preverem e implementarem profundas alterações económicas, sociais e políticas a médio-longo prazo. A Presidência da República decretou o estado de emergência, aprovado em conselho de ministros e pelo Parlamento, posto em vigor há pouco tempo (Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março). Este decreto levou a que o governo decretasse medidas extraordinárias. O estado de emergência não cria automaticamente nenhuma distopia, mas retira-nos algumas liberdades que tomamos como garantidas.
Apesar de o estado de emergência ser justificado e de não nos retirar os nossos direitos fundamentais, devemos pensar em que implicações é que um organismo tão pequeno como o SARS-CoV-2 poderá ter não só na nossa saúde, mas no nosso futuro enquanto espécie.
Yuval Harari, autor do famoso “Homo Sapiens”, e de “21 lições para o Século 21” defende que a espécie humana poderá estar ameaçada a curto-médio prazo por três fatores: aquecimento global, guerra nuclear ou disrupção tecnológica. Em particular, a disrupção tecnológica prende-se no facto de governos autoritários utilizarem técnicas de Big Data e de vigilância em massa para controlarem os seus cidadãos, incorrendo numa autêntica distopia tecnológica. Esta distopia é prevista como muito mais difícil de se ultrapassar do que as que se viram na ótica Orwelliana: se estamos a ser vigiados a todo o momento por algoritmos de inteligência artificial, qualquer oposição é provavelmente infrutífera.
Até agora a grande maior parte das pessoas não se preocupou com estes cenários. No entanto, a história diz-nos que o ser humano sempre conseguiu aproveitar as oportunidades que obtem, tanto para o bem, como para o mal. Veja-se o caso do 11 de setembro (9/11): quando os Estados Unidos da América foram atacados, levando à morte de cerca de 3000 pessoas, o mundo mudou completamente. A política internacional mudou, os protocolos de segurança nos aeroportos mudaram, as medidas de proteção e vigilância da população foram imensamente apertadas. Em programas de vigilância que foram denunciados pelo Edward Snowden (por exemplo o PRISM), milhões de pessoas foram sistematicamente vigiadas, (e não só Americanas). A ocorrência de uma situação extrema à escala global altera o status quo das nações.
O que foi necessário foi um iniciador, um evento que justificasse estas medidas. Isto aconteceu somente nos Estados Unidos da América, com cerca de 3.000 mortos e 6.000 feridos.
Imagine-se agora com uma pandemia à escala global, que já causou 118.984 mortos, até ao dia 13 de abril. A China já provou ser eficaz em conter o vírus, ao impôr grandes restrições na liberdade das pessoas. Muitos outros países estão a impôr quarentenas obrigatórias, seguindo um exemplo semelhante. Até que ponto será legítimo aumentar a vigilância populacional, para impedir novas pandemias? Será que estas restrições na liberdade pessoal poderão desencadear eventos semelhantes aos que se assistiram pós 9/11?
Será possível que os governos caminhem na direção de usar a informação biométrica dos seus cidadãos, para calcular probabilidades de dispersão de doenças, com base em traços de grupos de indivíduos?
Será possível, na próxima pandemia, algures em 2030, que o estado chinês administre testes em pessoas que ainda não tenham demonstrado sintomas, e os resultados desses testes sejam positivos? Ou que pessoas sejam presas porque têm propensão para disseminar o vírus? Poderá a ameaça de qualquer pandemia justificar ações extremas, como o controlo apertado de redes sociais?
Numa outra vertente, até que ponto os Estados Unidos e as outras nações irão culpabilizar outros estados pela disseminação da doença? Poderá haver repercussões sérias?
Como é que nós, enquanto cidadãos, podemos auxiliar o nosso governo, sem desistir do nosso direito à privacidade? Haverá um equilíbrio sustentável, que nos impeça de caminhar a passos largos da inexorável globalização, com sacrifícios à liberdade pessoal? É necessário estarmos muito atentos aos tempos vindouros.
Este artigo foi escrito por um convidado. Quer ver a sua história publicada no UniPlanet? Saiba mais.