Aves em Portugal estão a diminuir por causa de pesticidas e da agricultura intensiva
Muitas aves estão a desaparecer a um ritmo alarmante dos nossos campos, bosques, estuários e praias, devido às atividades humanas. Esta é uma das conclusões do relatório Estado das Aves em Portugal 2022, publicado no dia 4 de novembro.
O relatório, que compila os resultados de 23 programas de monitorização e censos de aves a decorrer em Portugal, demonstra também o impacto positivo das ações de conservação da Natureza.
“Para muitas espécies, o estado das suas populações em Portugal é preocupante, mas em muitos casos ainda reversível”, disse Domingos Leitão, Diretor Executivo da SPEA. “Temos provas de que a conservação resulta, e ainda vamos a tempo, se houver vontade política para passar da exploração desmesurada à gestão sustentável.”
Uma das maiores ameaças às aves em Portugal é a intensificação da agricultura, que deixou espécies como o picanço-barreteiro ou o sisão numa situação perigosa. Esta exploração exaustiva dos nossos campos, com recurso a pesticidas e outros contaminantes, sistemas de regadio que secam a região circundante, e monoculturas que esgotam a biodiversidade, terá sido uma das causas do declínio preocupante do carraceiro (ou garça-boieira), cuja população nidificante se reduziu em 77% em apenas 7 anos. Espécies mais comuns, como o peneireiro ou a andorinha-das-chaminés, também têm visto os seus números regredir ao longo das últimas décadas.
Já as aves que fazem o ninho nas nossas praias poderão estar a sofrer com a perturbação das zonas costeiras, que inclui não só uma maior presença humana e de cães, mas também a limpeza mecânica das praias. É o caso do borrelho-de-coleira-interrompida: 3 censos diferentes apontam para um decréscimo muito preocupante desta espécie. Tanto o Arenaria (programa de monitorização de aves costeiras) como o Programa Nacional de Monitorização de Aves Aquáticas Invernantes detetaram reduções muito grandes no número de borrelhos-de-coleira-interrompida que passam o inverno no nosso país, enquanto o censo dirigido especificamente a esta espécie, revela que a sua população nidificante diminuiu 46% nos últimos 19 anos.
Igualmente preocupante é a situação de espécies globalmente ameaçadas, como o britango (ou abutre-do-egito) e a pardela-balear – a ave marinha mais ameaçada da Europa – que também em Portugal estão em declínio.
Mais encorajadora é a situação atual da gaivota-de-audouin, cuja colónia de nidificação na ilha Deserta, no Algarve, se tornou nos últimos anos na mais importante para a espécie a nível global. O projeto LIFE Ilhas Barreira, coordenado pela SPEA, está desde 2019 no terreno a proteger este local importante e as diversas espécies que dele dependem.
Outro caso de sucesso evidente, reportado neste relatório, é o do grifo, cuja população nidificante teve um crescimento muito importante: há hoje 5 vezes mais grifos a nidificar em Portugal do que há 20 anos, fruto também das muitas medidas de conservação que estiveram em curso ao longo desse período. Infelizmente, algumas ameaças continuam muito presentes, como o uso ilegal de venenos, que afeta os grifos, mas também muitas outras espécies de abutres e águias.
O relatório Estado das Aves em Portugal 2022 inclui ainda informação de novos censos dirigidos, que vêm trazer dados sobre espécies que não estavam a ser monitorizadas eficientemente nos últimos anos: gaivota-de-patas-amarelas, gralha-de-nuca-cinzenta, periquito-de-colar, borrelho-de-coleira-interrompida e coruja-do-nabal. No caso das gaivotas-de-patas-amarelas, por exemplo, este censo veio mostrar que um terço da população de Portugal continental está a nidificar nos meios urbanos, o que tem conduzido a crescentes interações negativas com as pessoas em algumas cidades.
Os dados que permitiram aferir este Estado das Aves em Portugal foram, em grande parte, recolhidos por centenas de voluntários que dedicaram o seu tempo a observar, contar e registar aves nos diferentes censos e programas de monitorização. Só no censo de milhafres/mantas, que decorre anualmente nos Açores e na Madeira sob coordenação da SPEA, já participaram mais de 2300 voluntários desde 2006.
“Temos sempre presente que sem a generosidade dos voluntários, muitos destes censos não seriam possíveis”, diz Domingos Leitão. “Os resultados mostram o poder da ciência-cidadã, mas por outro lado é triste que não haja mais investimento do Estado na monitorização das espécies. Portugal tem a necessidade e a obrigação de acompanhar o estado da sua biodiversidade e de reportar esses dados à Comissão Europeia. Mas há muitas espécies para as quais há lacunas de informação e, e se não fossem os voluntários e o envolvimento de inúmeras organizações não-governamentais, para muitas espécies não haveria dados para reportar.”