Investigação denuncia “reciclagem” insustentável de roupa: fast fashion alimenta crise ambiental mundial
Uma investigação recente da Greenpeace expôs o impacto devastador do modelo de consumo da fast fashion (moda rápida) e das iniciativas de reciclagem promovidas pelas grandes marcas. A roupa usada, muitas vezes depositada nos contentores com a esperança de ser reutilizada, percorre milhares de quilómetros até destinos em países da Ásia e África, onde acaba frequentemente descartada como resíduos.
Uma viagem de milhares de quilómetros para o lixo
Entre agosto e setembro de 2023, a Greenpeace monitorizou 23 peças de roupa descartadas em contentores de várias cidades de Espanha, incluindo lojas de marcas como a Zara e a Mango. As peças viajaram por quatro continentes e chegaram a países como o Paquistão, Gana e Chile, percorrendo uma distância equivalente a cinco voltas ao mundo. O destino final raramente envolve reutilização: muitas roupas acabam em aterros, incineradas ou poluem ambientes naturais, como praias no Gana, onde são visíveis as pilhas do vestuário descartado.
“Economia circular” ou greenwashing?
Grandes marcas do sector da moda promovem iniciativas como os contentores de recolha de roupa, alegando contribuir para uma economia circular. Contudo, a Greenpeace alerta que estas práticas são mais marketing ambiental do que soluções reais. Atualmente, apenas 4% dos resíduos têxteis são recolhidos seletivamente para reutilização em Espanha, muito abaixo da média europeia. E mesmo na União Europeia, cerca de 80% dos resíduos têxteis recolhidos acabam exportados, sem garantia de reutilização.
Impactos ambientais e sociais devastadores
Os resíduos têxteis, compostos sobretudo por fibras sintéticas como o poliéster, representam um grave problema ambiental. Estas fibras, derivadas do petróleo, demoram décadas a degradar-se, libertando microplásticos e químicos perigosos para o ambiente e a saúde humana. No Gana, grande parte da roupa descartada é queimada como combustível, expondo as populações locais a substâncias tóxicas que contaminam o ar e a água.
Black Friday: um dia negro para o planeta
A investigação destacou ainda a ligação entre eventos como o Black Friday e o aumento do consumismo insustentável. Os preços baixos incentivam a compra de roupa de baixa qualidade que é rapidamente descartada, alimentando este ciclo poluente. A Greenpeace sublinha que a “moda rápida” depende da exploração laboral e ambiental nos países do Sul Global, transferindo os custos reais para os trabalhadores e para o ambiente.
Um modelo insustentável exige uma ação urgente
Com a obrigatoriedade de recolha seletiva de resíduos têxteis na UE a partir de 2025, o setor enfrenta o desafio de se reorganizar para evitar o colapso do sistema de reciclagem. Iniciativas como o sistema RE-VISTE, em Espanha, representam um passo inicial, mas insuficiente para lidar com as raízes da crise.
A Greenpeace apela a uma mudança de paradigma, apelando a uma maior transparência por parte das marcas, a políticas públicas mais rigorosas e a um consumo consciente por parte dos cidadãos. “Produzimos demasiada roupa e criamos um problema que é pago pelas pessoas mais vulneráveis e pelo planeta,” conclui o relatório.
O impacto da moda rápida deixa claro que é urgente repensar a forma como consumimos e descartamos a roupa, antes que as consequências se tornem irreversíveis.
Foto: © Kevin McElvaney / Greenpeace