Ânimas: o poder transformador dos animais na vida das pessoas
A Ânimas é uma associação sem fins lucrativos que, desde 2002, se dedica a melhorar a qualidade de vida das pessoas em situações de vulnerabilidade, com destaque para a entrega gratuita de cães de assistência e para o desenvolvimento de programas terapêuticos realizados em parceria com profissionais de saúde. Abílio Leite, Presidente da Ânimas, partilhou com o UniPlanet a missão, os desafios e as histórias inspiradoras que ilustram o poder transformador dos animais no apoio emocional, físico e psicológico de quem mais precisa.
UniPlanet (UP): A Ânimas foi fundada em 2002 com o objetivo de promover a Terapia Assistida por Animais em Portugal. O que levou à criação da associação e como descreveria a sua missão principal?
A ÂNIMAS surgiu porque um conjunto de pessoas convictas da mais-valia da interação entre o Homem e o Animal, neste caso o Cão. Saliento que o principal objetivo da ÂNIMAS é a entrega gratuita de cães de assistência, a realização de serviços assistidos por animais e a promoção de estudos científicos que demonstrem a mais-valia da interação.
UP: Que papel considera que os animais desempenham no apoio a pessoas em situações de vulnerabilidade?
Nos animais, creio que se justifica destacar os Cães e os Cavalos. A sua sensibilidade, a sua capacidade de lerem todos os sinais que o Homem transmite e a capacidade de se ajustar ao estado em que a pessoa se encontra e se sente fazem com que tenham um papel preponderante no Bem Estar da pessoa envolvida.
UP: Como funcionam os programas de Terapia Assistida por Animais desenvolvidos pela Ânimas?
Variam muito. Depende do público com que trabalhamos e as suas características. É fundamental referir que neste tipo de trabalho, Terapia Assistida por Animais, o trabalho tem que ser desenvolvido por um Profissional de Saúde. Infelizmente, o termo “Terapia Assistida por Animais” é muito apelativo, mas para se poder usar, o trabalho tem que ter um objetivo terapêutico, ser mensurável, registado e devidamente acompanhado… não é só passar uns bons momentos. É muito mais do que isso. Também é, mas é muito mais.
UP: Que tipo de profissionais de saúde colaboram com a associação e como é feito o planeamento das intervenções terapêuticas?
Sobretudo Psicólogas, Terapeutas Ocupacionais, Terapeutas da Fala, Enfermeiras e Médicas. As Psicólogas em grande destaque. E o género feminino, também.
UP: Há alguma história ou caso de sucesso que considere emblemático no trabalho da Ânimas?
A felicidade com que os beneficiários dos cães de assistência nos contam como o seu cão os ajudou a superar determinados obstáculos, as situações que vão surgindo de uma motivação extra com a presença do cão. Pessoas que não falavam e que passam a conversar. A redução de medicação em beneficiários com epilepsia, por exemplo. Mas atenção que o cão não cura a diversidade funcional. O Cão ajuda, motiva, mas não cura. Isso que fique muito bem esclarecido.
UP: A Ânimas trabalha com pessoas de várias idades e condições, desde crianças com autismo até idosos com demência. Que benefícios específicos a Terapia Assistida por Animais pode trazer para estas populações?
A palavra-chave é o cão ser um catalisador do trabalho que se pretende realizar com cada um dos públicos. A focar-se noutro assunto que não o normal. A manter a calma e aprender a lidar com contrariedades, a motivar para a realização de trabalhos que não são, tão, apetecíveis como outros. Tudo depende dos objetivos do profissional de saúde para o público em causa.
UP: Em que ambientes – escolas, hospitais, lares, ou outros – considera que a TAA tem o maior impacto?
Todos têm as suas especificidades. Nas escolas e nos lares consegue-se fazer trabalhos fantásticos, mas estão sempre dentro das expectativas. No que respeita aos hospitais… é marcante ver como a surpresa surge nos rostos… “um cão no hospital???”, mas uma surpresa com um sorriso de orelha a orelha. E o interessante é sermos contactados pelos centros hospitalares por quererem humanizar o serviço prestado às pessoas. E, sim, nota-se, claramente, uma alteração do humor de toda a comunidade, do segurança ao presidente do conselho de administração, passando por todos, mas com um especial destaque para as crianças. Ninguém fica indiferente, mesmo os que dizem ter medo.
UP: Além das terapias, a Ânimas também se dedica à formação de cães de assistência. Como é feito o processo de seleção e treino destes cães?
Por norma, os cães são Labradores, de criadores da nossa confiança. Ficam até aos 3 meses na ninhada, junto com a mãe. Depois vão para uma família de acolhimento até ao ano de idade. Passando, posteriormente, para um dos nossos treinadores. Numa primeira fase é ensinado o mesmo a todos os cães e, depois, quando percebemos o que o cão mais gosta de fazer, começamos a trabalhar as especificidades que deverá ter para ajudar o futuro beneficiário. São entregues com mais de dois anos de idade. Nunca antes.
UP: Que tipo de tarefas os cães de assistência são treinados para desempenhar e como ajudam os seus tutores no dia a dia?
Desde o apanhar objetos do chão, a abrir portas, a interromper situações de crise, a detetar uma crise de epilepsia (sendo que nem todos o conseguem fazer, ou seja, isto não garantimos), a fazer pressão corporal para acalmar a pessoa, a alertar para a entrada de alguém, a ir chamar uma pessoa, uma infinidade de situações que variam consoante a necessidade do beneficiário.
UP: Há algum caso particular que ilustre o impacto transformador de um cão de assistência na vida de uma pessoa com deficiência?
Desde a pessoa que está de cadeira de rodas e que deixa de ter de pedir ajuda porque deixou cair a carteira ao chão, tornando-a mais autónoma, passando pela regularização do padrão do sono de uma criança com perturbação do espectro do autismo, da pessoa passar a sair e deixar de estar recolhida em casa, da sua condição clínica deixar de ser o centro das atenções e passar a ser o cão e de como é bonito e sobre o que o cão faz. Muda o paradigma para pessoa enquanto membro da sociedade. Passa a querer estar mais em sociedade, passando, por isso, a haver uma verdadeira inclusão.
UP: A Ânimas promove programas educativos para fomentar o respeito e a empatia pelos animais. Que iniciativas têm desenvolvido neste âmbito e qual é o público-alvo destas ações?
Sobretudo junto de crianças, que absorvem tudo com uma capacidade e não condicionam o que lhes é dito. Facilmente começam a referir as suas experiências e a balizarem se o que fazem é adequado ou não.
UP: Considera que a sociedade portuguesa está suficientemente sensibilizada para a importância dos animais, tanto em contextos terapêuticos como na vida quotidiana?
Ainda há muito caminho a ser percorrido. A realidade muda consoante a região em que estamos. Os fatores culturais são muito importantes. Felizmente, já começa a rarear o cão amarrado, com uma corrente, à árvore no fundo do quintal, mas também começam a surgir os cães de varanda.
É verdade que defendemos que todas as famílias deveriam ter um cão, mas também dizemos que é necessário ter TEMPO para estarmos com ele. O habitat natural do Cão é junto do Homem. O cão sofre com a ausência do “seu” ser humano e família. Por vezes, dizem “ah… se tivesse um terreno…” Quem tem um terreno sabe que se o cão estiver em liberdade, depois do passeio higiénico o que ele quer é estar encostado ao seu tutor. A pessoa tem 100 hectares, mas o cão quer estar onde está a pessoa.
UP: Quais são os maiores desafios que a Ânimas enfrenta na sua atuação?
Responder às inúmeras situações que nos são colocadas diariamente. É, para nós, fundamental, que o nosso trabalho espelhe, claramente, a mais-valia da presença do cão junto do ser humano em todos os cenários. Daí trabalharmos com todas as diversidades funcionais e em todos os ambientes, para mostrar que, realmente os cães fazem a diferença. Contudo, temos que crescer mais. Para responder a mais pessoas. Já trabalhamos de Arcos de Valdevez a Almada, mas queremos aumentar. Felizmente, é o que tem acontecido, ano após ano.
UP: Como podem a sociedade civil, as empresas ou outras entidades apoiar o trabalho da Ânimas?
As parcerias são fundamentais para que possamos crescer. E se o dinheiro é importante, também é importante que o nosso trabalho sensibilize a sociedade. O que queremos é acrescentar felicidade às pessoas, com a ajuda dos cães. O custo de um cão de assistência chega facilmente aos 25 mil euros. Mas é entregue gratuitamente. Os serviços assistidos nas entidades ultrapassam, facilmente, os milhares de euros ao fim de um ano. O problema é como medir o impacto. Mais sorrisos, mais competências, mais autonomia, mais inclusão.
UP: Quais são os objetivos futuros da Ânimas? Existem novos projetos ou áreas de intervenção que gostariam de explorar?
Os objetivos são simples. Aumentar a capacidade de oferta anual de cães de assistência e desenvolver novos e mais programas de serviços assistidos por animais. Desde os Centros de Apoio à Aprendizagem, aos Hospitais, Lares, Escolas, Casas de Abrigo, apostar na formação de mais duplas (pessoa + cão), sempre com objetivo de trabalharmos bem, com consciência, com rigor, profissionalismo e ética. Nesta área, a ética é muito importante.
UP: Que mensagem gostaria de deixar sobre o poder transformador dos animais na vida das pessoas e a importância do trabalho desenvolvido pela Ânimas?
Desde 2002 que verificamos que o nosso trabalho modifica a vida das pessoas. Mais felizes, adquirem competências e novas aprendizagens, conseguem, com a ajuda do cão, superar obstáculos que eram intransponíveis.