Sensihemp: a marca sustentável portuguesa à base de cânhamo
O UniPlanet falou com a Marta Vinhas, a criadora da Sensihemp, que nos apresentou este projeto.
UniPlanet (UP): Como nasceu a Sensihemp?
A Sensihemp nasceu da necessidade de mudança. Trabalhei cerca de duas décadas na indústria têxtil, com o mercado da fast fashion e vi a evolução e o impacto negativo que a mesma tinha quer no meio ambiente quer a nível social. Nos últimos tempos da minha carreira profissional, sentia que tinha de fazer alguma coisa e a primeira tinha a ver com o meu emprego pois indiretamente acabava por ir contra os meus valores, então teria de arranjar uma solução.
No decorrer desse processo, a minha amiga Paula decidiu que no projeto Cabril Eco Rural iria fazer renascer a tradição da cultura do linho na aldeia de Cabril (Montalegre). A prática tinha caído no desuso e há cerca de 50 anos que não se cultivava o linho na aldeia. O saber foi passado pelos idosos que antigamente faziam do linho o seu dia a dia e ensinaram os processos do cultivo até ao tear. A Paula fez eventos em todas as fases do linho, o que foi uma experiência que me marcou muito particularmente.
Mais tarde, quando visitei pela primeira vez numa feira Internacional do cânhamo, a Cannadouro, deparei-me com um museu etnográfico do têxtil de cânhamo e fiquei surpreendida com as similaridades das ferramentas, dos processos, até mesmo a fibra era idêntica ao linho. Fiquei a saber que o linho e o cânhamo eram fibras primas. Descobri o potencial do cânhamo como planta, as propriedades da fibra, a ligação histórica com Portugal e foi quando se deu o insight de criar uma marca de moda em cânhamo.
Houve um longo e difícil caminho a percorrer, mas em setembro de 2021 a Sensihemp nascia. 🙂
UP: Porque escolheste trabalhar com cânhamo?
A nível de impacto ambiental o cânhamo é uma das plantas mais ecológicas e sustentáveis do planeta.
É uma cultura natural, altamente renovável e regenerativa, que repara o meio ambiente ao longo do seu ciclo de crescimento.
Requer muito menos terra e água para crescer em comparação com outras plantas de fibra natural e cresce sem a necessidade de pesticidas e herbicidas, enquanto produz grandes quantidades de fibra.
Outra vantagem é ser desperdício zero, pois toda a planta tem mais de 25000 utilizações registadas.
O cânhamo é incomparável na sua capacidade de sequestrar (absorver e reter) CO2 da atmosfera, aliás demonstrou-se que o cânhamo industrial absorve mais CO2 por hectare do que qualquer floresta ou cultura comercial (1 tonelada de cânhamo resgata 1,6 toneladas de CO2). Cresce em apenas 100 dias e pode ter até três rotações de cultivo por ano na mesma terra, tornando-o excecionalmente renovável.
Depois temos as imensas propriedades das fibras usadas no têxtil. Os tecidos têm propriedades termorreguladoras. É uma fibra muito resistente, sendo, por exemplo, até oito vezes mais que o algodão, o que faz com que as peças tenham muito tempo de vida. É uma fibra que quanto mais se lava mais macia fica, é antibacteriana e antifúngica, resistente ao mofo e bolor, resistente à luz UV, biodegradável, mantém a forma, não encolhe e como é de origem natural é isenta de microplásticos; estes são apenas alguns de muitos motivos por ter optado por esta fibra.
UP: Portugal já teve tradição de produção de têxteis de cânhamo. Queres contar-nos um bocadinho a história?
Portugal já foi um grande produtor de cânhamo (cannabis industrial). O cultivo de cânhamo em terras portuguesas iniciou-se por volta do século XIV e prolongou-se, pois era uma matéria-prima fundamental para o sucesso dos descobrimentos; utilizavam o cânhamo para a preparação de cabos, velas e na calafetagem nas embarcações portuguesas. O cânhamo era de importância tal que nas colónias portuguesas foram criadas feitorias para a produção de linho de cânhamo, por exemplo, a Real Feitoria do Linho Cânhamo no Brasil.
Depois da Restauração da Independência, em 1640, a fim de recuperar a combalida frota naval portuguesa, D. João IV, em 1656, incentivou o cultivo do cânhamo conforme o decreto real onde até os padres eram obrigados a cultivá-lo.
Até 1920, 80% dos têxteis eram feitos de cânhamo, mas por volta dos anos 1930 o uso do cânhamo começou a ser ameaçado com o aparecimento das fibras sintéticas, nomeadamente do nylon.
Em 1971, o cultivo do cânhamo tornou-se ilegal em Portugal devido ao uso recreativo da sua “prima” canábis, uma decisão posteriormente revogada pela U.E.
UP: Onde são feitas as roupas e os artigos da Sensihemp?
As roupas da Sensihemp são produzidas em Portugal numa empresa familiar que apoia pequenos projetos tais como a Sensihemp. A nossa relação assenta na transparência, respeito e fair-trade. Também contamos com uma parceria com a Zouri, uma marca de calçado 100% portuguesa, que reutiliza o plástico do mar nas solas e que fez dois modelos em cânhamo e outra parceria com a Hemper, um projeto social de impacto certificada pela Bcorporation, que atua junto dos artesãos no Nepal, onde se produzem as mochilas e bolsas.
UP: O cânhamo pode também não ser sustentável, não é verdade?
Tal como mencionei acima, o cultivo do cânhamo traz muitos benefícios para o meio ambiente, mas quando se passa à fase da extração da fibra, o impacto positivo que o cânhamo teve no seu cultivo pode “perder-se” pelo método como a fibra foi extraída.
A maceração refere-se ao processo no qual as fibras naturais são separadas do caule da planta de cânhamo, pode ser através de fricção (processo mecânico) ou maceração de fermentação microbiológica que ocorre quando se molha os caules com água, através deste processo natural a fibra separa-se facilmente do caule. Acontece que ambos estes processos são morosos e muito manuais; contudo são os mais ecológicos. O cenário muda quando para aumentar a competitividade e tornar o processo mais rápido se recorre à maceração química que utiliza produtos químicos nocivos e que podem causar danos no descarte das águas residuais. Este processo é muito utilizado na China pois são os pioneiros e líderes mundiais na produção do têxtil de cânhamo.
UP: Que artigos estão disponíveis?
Pode-se encontrar roupa, calçado, artigos de beleza e acessórios tais como mochilas e bolsas. O nosso objetivo não é colocar muitos artigos no mercado, mas sim peças de qualidade que tenham um longo período de vida. Como produzir malha e tecido em cânhamo é um processo moroso, para diversificar a nossa oferta contamos com parcerias de alguma marcas que têm os mesmos valores e objetivos que a Sensihemp, tais como a Zouri, Musa Natural Cosmetics e da Hemper.
UP: E ainda dá para fazer papel e cosméticos, não é?
Na verdade, o cânhamo dá para fazer quase tudo. É uma planta zero waste, tem mais de 25000 utilizações registadas que podem ir desde a alimentação humana e animal, concreto, biocombustível, têxteis, plástico, cosméticos, energia, papel, medicina etc. A lista é enorme. O cânhamo é a solução que todos procuram e pode salvar o planeta pois pode até mesmo substituir os combustíveis fósseis.
UP: Onde podemos comprar e encontrar mais informação sobre a Sensihemp?
Podem-nos encontra nas redes sociais: no Instagram e no Facebook e no nosso site.