Milhões de cavalos-marinhos acabam mortos no mercado negro por esta razão absurda
Estima-se que, todos os anos, 37 milhões de cavalos-marinhos sejam retirados dos seus habitats, capturados sobretudo por artes de pesca não seletivas.
Mais de metade deles são mortos, secos e comercializados internacionalmente para serem utilizados na medicina tradicional chinesa, que lhes atribui qualidades medicinais.
Uma pequena percentagem acaba ainda em aquários particulares um pouco por todo o mundo ou é vendida como souvenirs.
O comércio internacional, a pesca e a perda de habitat estão a dificultar a vida ao pequeno cavalo dos mares.
Existem mais de 40 espécies de cavalo-marinho e muitas delas estão classificadas pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) como “vulneráveis” e “em perigo”. Sobre muitas outras não existem dados suficientes para se proceder à avaliação do seu risco de extinção.
Em Portugal, também as populações residentes de cavalos-marinhos da ria Formosa estão em declínio, ameaçadas pela degradação ambiental, a pesca não seletiva e a captura ilegal com destino ao mercado asiático.
Foto: shellac/Flickr
O cavalo-marinho, ou “hai ma”, é usado há séculos, talvez milénios, na medicina tradicional chinesa. Os animais são mergulhados em vinho de arroz ou reduzidos a um pó que se adiciona ao vinho ou à sopa, alegadamente para aumentar a virilidade e curar a impotência.
Embora, segundo Victor Cheng, praticante de medicina tradicional chinesa na Califórnia e em Xangai, já não sejam usados frequentemente nos principais hospitais chineses e tenham adquirido um estatuto de “remédio popular”, a medicina tradicional continua a impulsionar a procura global.
Para compreendermos porquê, devemos considerar a dimensão da população chinesa, diz Victor. A China tem mais de mil milhões de habitantes. Se 1% destes comprarem um só cavalo-marinho todos os anos, no total, estaríamos a falar de 14 milhões de animais por ano.
50 gramas destes cavalos-marinhos, importados da Tailândia para Hong Kong, custam 70 dólares (esquerda) e 80 dólares (direita), ou aproximadamente 4-6 dólares por cada animal. | Foto: Anita Wan Hong/Project Seahorse
Mas o problema não se fica por aí. A maioria dos cavalos-marinhos não é pescada propositadamente. Muitos pescadores capturam estes animais acidentalmente, utilizando redes de arrasto, armadilhas para caranguejos e redes de emalhar destinadas à pesca de outros animais. As capturas acessórias de cavalos-marinhos seriam descartadas, se não existisse a procura asiática.
“Mesmo que os cavalos-marinhos não estivessem a ser usados pela medicina tradicional, continuariam a ser capturados em quantidades imensas por práticas de pesca indiscriminadas”, explicou Sarah Foster, cientista marinha do grupo de conservação Project Seahorse.
Para complicar ainda mais as coisas, muitos destes métodos de pesca danificam os habitats destes animais, destruindo ecossistemas frágeis.
As pescas acessórias também mantêm o preço dos cavalos-marinhos mais baixo. “Os pescadores podem vendê-los por pouco. Afinal de contas, de outra forma, seriam descartados”, escreveu a Oceana, a maior organização internacional de conservação e defesa dos oceanos. “Os preços vão subindo à medida que os cavalos-marinhos passam dos portos locais para os distribuidores e depois para as lojas espalhadas pelo mundo. E, à medida que estes animais se tornam mais raros, a procura pode conduzir à subida dos seus preços.”
Segundo Sarah Foster, mesmo se os cavalos-marinhos fossem devolvidos à água depois de capturados, corriam o risco de não sobreviver. “Consideramos um cavalo-marinho capturado, um cavalo-marinho morto”, afirmou.
“Precisamos de áreas marinhas protegidas e que os barcos de arrasto se afastem das costas”, defendeu a cientista.
Há mais de uma década, a CITES (Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies Selvagens) aumentou as restrições ao comércio das espécies de cavalo-marinho e, entretanto, muitos dos principais países exportadores proibiram o comércio destes peixes. A Tailândia, a maior exportadora de exemplares selvagens, decidiu suspender as suas exportações em 2016.
Foto: Florin Dumitrescu/Wikimedia Commons
Contudo, 96% do comércio global é agora ilegal.
“Um declínio no comércio registado parece uma coisa boa, pelo menos no papel”, disse Sarah Foster. “Mas isso não reflete o que está mesmo a acontecer.”
De acordo com as suas estimativas, entre 20 e 25 milhões de cavalos-marinhos mortos e desidratados continuam a atravessar fronteiras todos os anos. Os países envolvidos são essencialmente os mesmos. “Agora estamos a falar de tráfico de vida selvagem”, sublinhou.
Embora existam projetos que criam cavalos-marinhos em cativeiro para diminuir a pressão sobre as suas populações selvagens, a cientista não considera provável que a criação em cativeiro tenha a dimensão necessária para satisfazer a procura por estes animais.
“Aqui, no Project Seahorse, gostamos de dizer que se conseguirmos salvar os cavalos-marinhos, conseguimos salvar o mar”, argumentou, explicando que as medidas destinadas à proteção destes peixes emblemáticos – como a cessação das práticas de pesca prejudiciais e não seletivas – também ajudam outras espécies de pequenos peixes e os próprios ecossistemas.
1ª foto: Hoang Do Huu/Project Seahorse
Trailer do documentário “Cavalos De Guerra”, baseado nas expedições de João Rodrigues, fotógrafo subaquático, biólogo marinho e ambientalista, em luta pela conservação e preservação dos cavalos-marinhos da Ria Formosa.