As Mulheres da República Democrática do Congo, a “capital mundial das violações”
A República Democrática do Congo (RDC) é um país que possui coltan, diamantes, ouro, petróleo e gás, mas onde a maioria da população vive na pobreza e é vítima de violência extrema, principalmente as mulheres.
As violações são usadas deliberadamente como arma de guerra para deixar cicatrizes nos adversários políticos ou grupos inteiros de minorias étnicas ou religiosas. As mulheres são depois ostracizadas pelas suas famílias, as famílias são destruídas, e as vítimas contraem doenças fatais, enquanto os autores destes crimes permanecem impunes.
A República Democrática do Congo já foi considerada pelas Nações Unidas como a capital mundial das violações usadas como arma de guerra. Desde 1996, já foram violadas mais de 500 000 mulheres na RDC, e apenas uma percentagem pequena destes casos chegou a tribunal. As vítimas de violações têm medo, vergonha e sentem relutância em tornar público os seus casos. Ficando entregues a si próprias, sem qualquer apoio médico ou psicológico.
“Traçamos linhas vermelhas contra o uso de armas químicas, biológicas e nucleares. Devemos, agora, traçar uma linha vermelha contra a violação como arma de guerra”, disse Denis Mukwege, ginecologista congolês e um incansável porta-voz das vítimas de violência sexual.
Mukwege é conhecido como “o homem que cura as mulheres”, (título de um documentário sobre o seu trabalho) e, em 1999, o cirurgião construiu um hospital na RDC que atende mulheres e crianças violadas (por vezes com menos de cinco anos) vítimas dos conflitos que assolam o leste do país há mais de 20 anos.
“Nas zonas em conflito, as batalhas são travadas nos corpos das mulheres”, contou. “Quando se desencadeia uma guerra, não há fé, nem lei. Quem sofre são as mulheres e as crianças”, comentou o médico. Mulheres de povoações inteiras são violadas numa só noite, são dados tiros nos genitais, ou introduzidos objetos e armas, neste país onde “ninguém se preocupa com as mulheres”. “As vítimas estão condenadas à eternidade… E os seus executores?”, questionou o médico, pedindo “um Tribunal Penal Internacional para o Congo” para julgar “todos estes crimes que continuam impunes”. Mukwege é vítima constante de ameaças pessoais e sobreviveu a uma tentativa de assassínio há cinco anos.
A RDC é rica em coltan, um dos materiais com maior procura no mercado mundial, para a produção de telemóveis, computadores e tablets. Os grupos armados, quando ocupam os territórios tornam-se proprietários do solo, subsolo e dos seus minerais. As violações das mulheres em público, são uma maneira de aterrorizar as comunidades desses territórios. Este ano, uma investigação da SKY News revelou ainda a existência de trabalho escravo de centenas de crianças nas minas da RDC de cobalto, que é utilizado no fabrico de baterias para telemóveis e computadores.
“A violação é uma arma ainda mais poderosa do que uma bomba ou uma bala”, disse Jeanna Mukuninwa, uma mulher de 28 anos, de Shabunda, na RDC. “Com uma bala, a pessoa morre. Mas, se tiver sido violada, essa pessoa é vista pela comunidade como alguém que está amaldiçoada. Após uma violação, ninguém vai falar com ela; ninguém vai querer vê-la. É uma morte em vida.”
Rebecca Masika Katsuva, conhecida apenas por “Masika”, ativista pelos direitos das mulheres na RDC, foi também violada, depois de ver o seu marido ser brutalmente assassinado. Criou uma associação, a APDUD, sigla em francês de Association des Personnes Desherites Unies pour le Development (Associação de Pessoas Deserdadas Unidas para o Desenvolvimento, em tradução livre), em Minova, na província de Kivu, onde ao longo dos anos, centenas de mulheres violadas e rejeitadas pela família procuraram refúgio. Masika morreu no dia 2 de fevereiro de 2016.
Remembering Rebecca #Masika: “even in the most difficult situations, hope never dies” https://t.co/qC1kYtlrvH #DRC pic.twitter.com/5FZ89uV1jv
— Front Line Defenders (@FrontLineHRD) 8 de fevereiro de 2016
O consumo de drogas e a violência sexual
Bonerge Kiunga, uma ex-criança-soldado, agora com 23 anos, esteve numa milícia durante quatro anos. Em 2012, conseguiu fugir. Kiunga pensa que foram as drogas que tomou, em conjunto com os seus camaradas, que o levaram a violar mulheres: “Elas fazem com que precises de sexo.” Antes de irem para os combates, os jovens eram impedidos pelos comandantes de ter relações sexuais. “Durante os preparativos, não podes dormir com uma mulher, ou perdes a invulnerabilidade. Só quando conquistas uma aldeia e esperas pelos planos seguintes é que podes ter uma mulher”, contou.
Em 2016, soldados da ONU provenientes da Tanzânia, enviados para manter a paz na República Democrática do Congo, foram acusados de violar 11 mulheres, sendo que seis eram menores de idade. A missão da ONU na República Democrata do Congo (MONUSCO), a maior no mundo, começou em 1999, depois do genocídio do Ruanda, uma vez que centenas de soldados e oficiais do Exército Hutu que participaram no massacre fugiram para este país e continuam a lutar no leste do país, juntamente com outros grupos armados.
Em junho de 2016, Jean-Pierre Bemba, antigo vice-Presidente da República Democrática do Congo, foi condenado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) a 18 anos de prisão por violações e mortes brutais na República Centro-Africana cometidos pela sua milícia e foi considerado culpado de cinco crimes de guerra e contra a humanidade, sob o princípio da “responsabilidade do comandante”. Foi o primeiro caso do TPI centrado na utilização da violação e da violência sexual como arma de guerra.
Mais de 3000 pessoas foram mortas desde outubro de 2016 em Kasai, no centro do país, denunciou, a 20 de junho, a Nunciatura Apostólica em Kinshasa. E, as Nações Unidas registaram cerca de 1,3 milhão de refugiados. Joseph Kabila, na presidência desde 2001, devia ter deixado o poder em dezembro de 2016 e ter convocado eleições.
É urgente acabar-se com a violência sexual em conflitos armados e resolver-se o problema da falta de responsabilização nestes crimes, e a assegurar-se que as vítimas têm o apoio necessário para poderem reconstituir as suas vidas com dignidade.