Cientistas estão a ajudar acidentalmente os caçadores furtivos a levar espécies à extinção
O comércio ilegal dos répteis Goniurosaurus luii começou pouco depois de a espécie ter sido descrita cientificamente pela primeira vez. Quando se pesquisa o nome desta espécie em inglês (“Chinese cave gecko”) no Google, o motor de busca sugere, a seguir ao seu nome, a expressão “à venda”. Esta espécie extremamente rara é apenas uma de um número cada vez maior de animais que estão a ser colocados em risco de extinção no seu meio natural pelo tráfico de animais selvagens.
Como revelam os autores de um artigo publicado na revista científica Science, os caçadores furtivos estão a perscrutar os artigos científicos para descobrir informações sobre a localização e o habitat de espécies novas e raras.
“O comércio ilegal da vida selvagem explodiu online. Várias espécies recentemente descritas cientificamente têm sido devastadas pela caça furtiva quase imediatamente depois de aparecerem na literatura científica”, escreveram os cientistas. “Os animais com pequenas áreas de distribuição e habitats específicos estão particularmente expostos a este risco.”
Isto é algo que os autores do artigo, Benjamin Scheele e David Lindenmayer, viram em primeira mão. Depois de terem publicado dados sobre a espécie ameaçada Aprasia parapulchella, num atlas de vida selvagem online, os proprietários das terras com quem tinham trabalhado começaram a descobrir intrusos nas suas propriedades.
Goniurosaurus luii | Foto: Carola Jucknies
Aprasia parapulchella, uma espécie rara de lagarto que parece a combinação de uma cobra pequena e de um verme
A caça furtiva não é a única ameaça
Para além dos caçadores furtivos, também há cada vez mais “entusiastas” da vida selvagem a examinar artigos científicos, relatórios de organizações e atlas da vida selvagem de forma a localizarem espécies invulgares para as fotografarem ou interagirem com elas.
“Isto pode perturbar seriamente os animais, destruir micro-habitats específicos e propagar doenças. Um exemplo marcante disto é o recente surto do fungo-quitrídio-dos-anfíbios, que, essencialmente, «come» a pele das salamandras. Este agente patogénico foi introduzido a partir da Ásia pelo comércio de vida selvagem e já levou algumas populações de salamandras-de-pintas-amarelas à extinção”, escreveram.
Salamandra-de-pintas-amarelas
Os dois cientistas questionam-se se, numa era em que os caçadores furtivos podem fazer uso dos dados científicos mais recentes, não teremos de repensar se é apropriado divulgarem-se informações detalhadas sobre a localização e habitat das espécies vulneráveis.
“Ironicamente, os princípios do acesso livre e da transparência levaram à criação de detalhadas bases de dados online que representam uma ameaça muito real para as espécies ameaçadas.”
“Defendemos que, antes de publicarem [os seus trabalhos], os cientistas se perguntem: será que esta informação vai ajudar ou prejudicar os esforços de conservação? Será que esta espécie é particularmente vulnerável a interferências? É uma espécie de crescimento lento e de vida longa? É provável que seja cobiçada por caçadores furtivos?”
Por outro lado, Scheele e Lindenmayer também argumentam que esta deliberação nem sempre será relevante. “Quando se trata da caça furtiva, geralmente só os animais carismáticos e atrativos é que têm um forte apelo comercial”.
No entanto, os autores também notam os sinais que evidenciam que as pessoas estão a começar a reconhecer este problema e a adaptar-se a ele. As novas descrições de espécies, por exemplo, estão a ser publicadas sem que a localização ou habitat sejam especificados.
“Os biólogos podem aprender com outras áreas, como a paleontologia, onde as jazidas de fósseis importantes são, frequentemente, mantidas secretas para evitar a recolha ilícita. Práticas semelhantes também são comuns na arqueologia”, dizem os cientistas.