Rendimento Básico Incondicional: O que É e Porque É uma Boa Ideia
Imagine um país onde o governo paga a cada adulto o custo de vida básico. Quer se seja rico ou pobre, ou se se está empregado ou não, todos recebem o mesmo valor semanal, incondicionalmente. As consequências positivas, segundo o The Guardian, são notórias: mudar-se ou deixar-se o emprego que se tem passa a ser algo que qualquer pessoa pode fazer; para as mulheres, esta independência financeira significa que podem sair de relações abusivas; a saúde pública melhora visivelmente e as pessoas podem dedicar o seu tempo aos cuidados que uma sociedade cada vez mais envelhecida requer. Assim como o conceito político de Estado-providência definiu o séc. XX, esta nova ideia definirá o séc. XXI.
Bem-vindos ao mundo do rendimento básico incondicional, ou RBI. Pode parecer algo saído de um conto utópico, mas a ideia tem vindo a ganhar influência e a ser testada em alguns países do mundo.
Segundo o Partido Nacional Escocês, “um rendimento básico ou universal tem o potencial de fornecer uma base para erradicar a pobreza, tornar o trabalho compensador e garantir que todos os cidadãos possam viver com dignidade”.
Têm sido feitas experiências com um rendimento básico incondicional na Índia e no Brasil, que têm sugerido que, ao contrário do que se possa pensar, um rendimento básico pode, na realidade, aumentar a vontade das pessoas de trabalhar, ao fazê-las sentir mais estabilidade e ao tornar os transportes e as creches, por exemplo, mais acessíveis.
Em Utrecht, na Holanda, um projeto-piloto paga incondicionalmente às pessoas que vivem de prestações sociais; outras cidades holandesas parecem prontas a seguir o exemplo e existem planos para experimentar um tipo de rendimento básico mais ambicioso na Finlândia.
No dia 5 de junho, os suíços votarão num referendo sobre um plano que faria com que todos os adultos recebessem cerca de 2250€ por mês e mais cerca de 500€ por cada filho.
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Na Califórnia, a incubadora de startups Y Combinator anunciou o desejo de financiar estudos sobre a viabilidade do rendimento básico. O presidente, Sam Altman, disse que “é impossível ter-se realmente igualdade de oportunidade sem algum tipo de rendimento garantido”.
O livro de Alex Williams e Nick Srnicek, “Inventing the Future” (Inventando o Futuro), publicado em 2015, tem sido muito falado entre as pessoas interessadas no RBI. Como um dos autores, o canadiano Nick Srnicek, de 33 anos, explica, o conceito de um rendimento básico não é uma novidade, tendo sido abordado por pessoas como Thomas Paine, no séc. XVIII, Martin Luther King e o economista Milton Friedman. Nos EUA, a administração de Nixon dos anos 70 tinha planos para uma versão de direita deste rendimento que quase se tornou lei. Entretanto, entre os anos 1968 e 1978, o governo norte-americano fez uma série de experiências com um rendimento básico, em lugares como New Jersey, Seattle e Denver, no Colorado. Também foi testado na pequena cidade de Dauphin, no Canadá. Embora os veredictos da investigação só tenham sido publicados anos depois, sugeriam que entre os resultados da experiência estava uma diminuição do número de entradas no hospital e um aumento do número de adolescentes que se mantiveram no ensino.
O escritor de “Inventing the Future” nota os diferentes conceitos políticos da ideia do RBI. “A direita tem tendência a vê-lo como uma substituição para o Estado-providência”, explica. “Basicamente, na sua conceção, o RBI é uma forma de acabar com os benefícios e mercantilizar tudo. E, obviamente, isso tem de ser desencorajado por completo.”
As interpretações da esquerda política também suscitam preocupações. “O RBI tem de ser universal: tem de se aplicar a todos”, declara. “É problemático para algumas pessoas que isto inclua os ricos também, mas os benefícios universais têm um poder político que os que estão sujeitos a condições não têm. Tem de ser incondicional. Não pode estar sujeito a condições. Todos o recebem sem condições.”
“O outro aspeto é que deveria ser [um valor] o mais elevado possível.” Como explica o escritor, não pode ser um valor “mediano” como o proposto pelo Partido Verde britânico que se aproximava do subsídio de desemprego. “Isso ajudaria as pessoas, mas elas teriam à mesma de sair em busca de um emprego de 40 horas para sobreviverem, por isso não chega a cumprir nenhum dos aspetos políticos que são tão importantes.”
De acordo com o livro, estes aspetos incluem fomentar o poder de negociação com os patrões e a vertente feminista do RBI. “Um dos meus relatos preferidos das experiências com o RBI no Canadá e nos EUA é o de que descobriram que os divórcios aumentavam. As mulheres tinham, subitamente, a independência financeira para deixar relações prejudiciais e abusivas”, salienta o autor.
O grande tema por trás das ideias de Srnicek e de Williams é o da automação e dos seus efeitos na nossa vida. Prevê-se que um terço dos empregos no sector retalhista, no Reino Unido, deixe de existir, até 2025. O The Financial Times relatou, recentemente, uma investigação que prevê a automação de 114 000 empregos no sector legal britânico nos próximos 20 anos.
Segundo Nick Srnicek, esta tecnologia está a alcançar áreas que pensávamos que seriam sempre do domínio dos seres humanos: “tarefas não rotineiras, coisas como conduzir um carro – mas também a automação da interação social básica, como o trabalho nos call centres, no apoio ao cliente e todos esse tipo de coisas”, diz. “Muitos empregos vão desaparecer, possivelmente a um ritmo muito acelerado. Isso significa que, mesmo que não leve ao desemprego em massa, a automação conduzirá a uma mudança maciça no mercado laboral e às pessoas terem de encontrar empregos novos e novas habilidades.”
Não é uma projeto que vá acontecer da noite para o dia, enfatiza o escritor canadiano, notando que algo tão ambicioso como um rendimento básico vai ser dispendioso e que para se conseguir o financiamento é preciso lutar-se de uma forma mais eficaz contra a fraude e a evasão fiscal, assim como contra a desigualdade global.
Na sua opinião, deve-se pôr o RBI ao lado de outros planos e propostas para que a ideia de um mundo para além do trabalho – e o que isso significaria – comece a ganhar substância. O autor defende, ainda, a redução da semana de trabalho, através da implementação de um fim-de-semana de três dias.
“Um rendimento básico sem condições? Se resulta para a família real [britânica], pode funcionar para todos nós.” – John O’Farrell
Para Caroline Lucas, a única deputada do partido Verde britânico, a ideia do RBI funciona a muitos níveis. “É uma política muito prática, uma vez que assegura que as pessoas não caiam entre as fendas do sistema de providência. Mas também é uma ideia profundamente radical, em termos do seu potencial feminista e o que fazemos num mundo em que, cada vez mais, o trabalho será automatizado. Também faz com que se sinta mais predisposição para se contribuir para a comunidade, limpando a praia, visitando um amigo idoso que se possa sentir sozinho. Há toda uma liberdade e libertação que nos oferece, e eu acho que nos leva a questões muito profundas sobre se existimos realmente apenas para passar um terço das nossas vidas a trabalhar para outra pessoa”, argumenta.
Anthony Painter, diretor de estratégia e política da Royal Society of Arts (RSA), explica que o seu exemplo favorito de um rendimento básico é o modelo testado em Dauphin. “O que foi muito interessante neste caso foram os benefícios mais amplos de um rendimento básico, em termos de saúde, educação, as crianças permanecerem mais tempo no ensino, melhor saúde mental e menos visitas ao hospital”, declara. “Ao passo que, hoje em dia, toda a nossa conversa sobre bem-estar se tem resumido a uma única questão: a pessoa está a trabalhar ou não?”
Já Matthew Taylor, chefe executivo da RSA,, se mostra mais cético sobre o futuro iminente da automação, embora acredite que o RBI seja o melhor caminho para uma maior segurança numa economia instável. Quando confrontado com o argumento de que menos de 100€ por semana é um valor bastante baixo, o chefe executivo da RSA suspira.
“Vamos estabelecer o princípio e ver se o mundo não colapsa”, diz. “Então, certamente, se funcionar e levar a uma sociedade melhor, não há razão para que não aumente. Tem de se ser prático com isto. Mas comecemos a discussão num lugar a partir do qual tenhamos mais probabilidade de ganhar.”
Na sua opinião, o fato do RBI estar a ser atualmente discutido não exclusivamente pela esquerda política é a prova de quanto tudo está em movimento. Esta é uma era em que as ideias podem passar rapidamente das periferias radicais para o centro do debate político. “(…) Um rendimento básico é uma daquelas coisas que, se os argumentos fossem feitos da maneira certa, todas as suposições que temos sobre como as pessoas reagiriam poderiam desaparecer rapidamente”, defende.
Fonte: The Guardian